A PEC (proposta de emenda à Constituição) emergencial, cuja votação a Câmara concluiu na noite desta 5ª feira (11.mar.2021), era um desejo do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Proposta de Emenda à Constituição n° 186, de 2019 (PEC Emergencial)
Os deputados retiraram trechos que os senadores já tinham aprovado, mas não adicionaram nada. O texto deverá ser promulgado nos próximos dias.
A ideia inicial do projeto era criar mecanismos de corte de gastos. No fim, sobreviveram ao Congresso apenas os instrumentos para conter aumento de despesas.
O projeto autoriza o governo a gastar R$ 44 bilhões em uma nova versão do auxílio emergencial pago a trabalhadores vulneráveis durante a pandemia. O benefício deve ter 4 parcelas de R$ 250, em média.
O Poder360 explica, ponto a ponto, o que a proposta altera na prática. Leia a seguir:
AUXÍLIO EMERGENCIAL
A PEC insere na Constituição a possibilidade de, em 2021, ser pago auxílio emergencial. O limite de gasto com o benefício é de R$ 44 bilhões.
Segundo o texto, neste ano será possível usar créditos extraordinários para pagar o novo auxílio. Ou seja, o gasto será bancado por aumento da dívida pública.
As medidas de controle fiscal relacionadas a criação ou expansão de despesas para o auxílio ficam dispensadas.
A Constituição elenca algumas situações em que poderá ser contraído crédito extraordinário, entre elas a calamidade pública. Essa regra não precisará ser seguida para financiar o auxílio emergencial.
Os gastos para bancar o benefício não contarão na Regra de Ouro, que impede o governo de usar recursos obtidos por endividamento para sustentar despesas correntes.
Também não serão computados no cálculo da meta de resultado primário, que mostra se o Brasil terminou o ano no vermelho ou no azul em suas contas públicas.
O pagamento do auxílio também ficará fora da conta do teto de gastos públicos. O dispositivo impede que as despesas cresçam mais do que a inflação de um ano para o outro. Créditos extraordinários não são computados nesse dispositivo.
Na prática, essa trava de R$ 44 bilhões limita o valor a ser pago, quantas pessoas receberão e por quanto tempo. A ideia do governo é dar 4 parcelas de R$ 175 a R$ 375. Na média, R$ 250.
O valor seria suficiente para bancar, aproximadamente, apenas um mês do auxílio emergencial de R$ 600 pago em 2020. O benefício custou R$ 295 bilhões até agora.
A quantia proposta na PEC é equivalente a 14% do que o governo já gastou. Nesse momento a pandemia bate recordes seguidos de mortes por dia no Brasil.
Em 2020 a reposição da renda chegou a ser exagerada, superando muito a linha de manutenção do nível de renda. O governo errou na conta com apoio do Congresso. O déficit fiscal foi monumental. E não se pensou na possível necessidade de mais recursos em auxílio para 2021, afirma a RC Consultores
CALAMIDADE
A proposta escreve na Carta Magna que é necessária proposta do presidente da República e aceite do Congresso Nacional para decretar calamidade.
O trecho é o artigo 167-B, inserido no texto constitucional pela PEC. Estabelece que no estado de calamidade nacional a União deve adotar o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades da calamidade.
O mecanismo é similar ao que ficou conhecido como Orçamento de Guerra em 2020. Uma espécie de conta paralela criada para o governo lançar as despesas do combate à pandemia e poder cessá-las em seguida.
Outro trecho adicionado à constituição é o art. 167-C. Permite ao Executivo federal adotar processos simplificados de contratação de pessoal para combater a calamidade. Devem ser contratos temporários. Também vale para obras, serviços e compras.
O artigo 167-D, também criado pela PEC, possibilita que as propostas legislativas do governo federal para enfrentar calamidade contornem as restrições a aumento de despesas, desde que não criem gastos obrigatórios e continuados.
A proposta institui o artigo 167-E. Esse dispositivo libera o governo de cumprir o inciso III do artigo 167. Ou seja, pode pegar dinheiro emprestado para pagar despesas que não sejam de capital.
Outro trecho criado pela PEC, o artigo 167-F, estabelece que durante o estado de calamidade nacional:
- Crédito – são dispensados os limites, condições e demais restrições para a União contratar crédito;
- Superavit – o superavit financeiro do ano anterior pode ser usado para cobrir gastos do combate à calamidade; exceto nas fontes de recursos vindas de repartição de receitas com Estados e municípios, de receitas vinculadas e doações, empréstimos compulsórios e outras operações.
Quando é acionado o regime fiscal extraordinário a União precisa cumprir as restrições estipuladas pelo artigo 167-A. São mecanismos de contenção de gastos descritos em detalhes um pouco mais abaixo neste texto.
ESTADOS E MUNICÍPIOS
O projeto aprovado reduz o espaço para gastos nas câmaras municipais. Os órgãos têm um limite de despesas relativo ao tamanho do município.
O “teto” das câmaras municipais é relativo à soma dos recursos do município com arrecadação de tributos e transferências do governo central. Varia de 7% desse total, para cidades com até 100.000 habitantes, até 3,5% para cidades com mais de 8.000.001 habitantes.
Hoje os aposentados e pensionistas não entram na conta desse teto. A PEC emergencial estabelece que eles contarão a partir de 2025.
Por isso a redução do espaço para gastos. O orçamento atual nos limites atuais terá de ser suficiente para pagar os inativos também. O dispositivo alterado é o artigo 29-A da Constituição.
CONTENÇÃO DE GASTOS
A PEC emergencial insere o artigo 167-A na Constituição. O dispositivo determina que quando as despesas correntes chegarem a 95% das receitas, no período de 12 meses, Estados e municípios poderão utilizar os seguintes mecanismos de contenção de gastos:
- Aumentos – vetar aumentos ou reajustes de salários e outras vantagens, exceto quando determinados por decisão judicial transitada em julgado ou por dispositivo legal anterior;
- Cargos – vetar a criação de cargos, empregos ou funções que aumentem as despesas;
- Carreiras – vetar a alteração de estruturas de carreira que aumentem os gastos;
- Contratações – vetar admissões e contratações de pessoal, exceto reposições para cargos de chefia e direção que não aumentem despesas, reposição de vagas em cargos efetivos ou vitalícios, contratações temporárias excepcionais, reposições temporárias de prestação de serviço militar e órgãos de formação militar;
- Concursos – vetar a realização de concursos públicos;
- Penduricalhos – vetar criação e aumento de auxílios, vantagens, bônus e outros benefícios, exceto se determinados por lei anterior ou decisão judicial;
- Despesa obrigatória – vetar a criação desse tipo de despesa, ou aumento acima da inflação;
- Linhas de financiamento – vetar a criação ou expansão desses dispositivos, assim como renegociações ou refinanciamento de dívidas que ampliem subsídios ou subvenções;
- Tributos – vetar a concessão ou ampliação de incentivos ou benefício nessa área.
Essas ferramentas também estarão disponíveis quando as despesas ficarem entre 85% e 95% das receitas. Nesse caso, o Executivo local pode usar esses dispositivos, mas precisará de aprovação da Câmara Municipal ou da Assembleia Legislativa em 180 dias.
Quem não usar esses mecanismos tendo mais de 95% da receita comprometida fica impedido de tomar crédito de outro ente da Federação.
Além dos poderes Executivos locais, pode ser usado por Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública.
GATILHOS PARA A UNIÃO
A PEC altera o artigo 109 das disposições transitórias da Constituição. Trata-se do teto de gastos públicos instituído em 2016.
Em vez de esperar o dispositivo ser desrespeitado, estabelece medidas de contenção de gastos quando a despesa obrigatória primária passar de 95% da despesa primária total.
Nesse caso, fica impedida admissão ou contratação de pessoal, exceto reposição de cargos de chefia ou direção que não aumentem despesas ou decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios.
A proposta adiciona outras duas exceções: contratações temporárias excepcionais e reposições de temporários para serviço militar e alunos de órgãos de formação militares.
Também são vedados aumento ou criação de auxílios, vantagens e outros benefícios para funcionários públicos. A proposta inclui no texto constitucional dependentes desses servidores. As exceções são determinações de leis anteriores ou sentença transitada em julgado.
A PEC inclui um item que busca vedar uma manobra que poderia ser usada para aumentar de outra forma os ganhos de servidores. O texto diz que fica proibida, durante o acionamento das travas, que sejam aumentados benefícios como auxílio moradia e outros inclusive para “membros de Poder”.
Juízes, promotores, desembargadores, senadores, deputados e outros estão incluídos nessa categoria. A ideia é impedir que os aumentos fossem concedidos de maneira indireta, expandindo benefícios que esses cargos recebem.
O novo texto da Constituição deixa claro ainda que cada órgão ligado à União, mas com Orçamento independente, terá sua própria conta para atingir o gatilho de 95% das receitas. Isso impede que apenas uma unidade orçamentária ative as travas para toda a administração pública federal.
Esse item afeta diretamente órgãos que, para fugir de bloqueios no Orçamento, têm colocado quase 100% de suas despesas como obrigatórias nos últimos anos. Dessa forma, como quase tudo que é recebido é gasto, o gatilho de 95% seria acionado.
A proposta tentou dar mais segurança jurídica às travas estabelecidas. Isso porque proíbe que os congelamentos de salários e benefícios se transformem em despesas futuras para a União. Seria o caso em que os servidores que tiveram seus ganhos travados por alguns anos pedissem na justiça os valores retroativamente.
No caso de estado de calamidade, algumas das travas fiscais ficam suspensas justamente para não atrapalhar o combate ao problema. Por exemplo: mesmo que o gatilho tenha sido acionado, as contratações de pessoal ficam liberadas durante a calamidade. Nesse cenário, o governo não ficaria impedido de contratar mais médicos em uma pandemia, desde que temporariamente.
FUNDOS PÚBLICOS
A PEC emergencial insere 2 novos trechos no artigo 168 da Constituição. Eles impedem que sejam destinados a fundos recursos provenientes de repasses a órgãos de Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
O que não for usado desses recursos deve ser restituído ao caixa do Tesouro do respectivo ente federativo (União, Estado ou município). Ou ter o valor deduzido em repasses posteriores.
O texto também permite que por até 2 anos depois da promulgação da PEC os lucros financeiros de fundos públicos sejam usados para pagamento da dívida. Caso o ente não tenha débito para quitar, poderá usar da forma que quiser os valores.
DÍVIDA
Escreve, no artigo 163 da Constituição, que uma lei complementar tratará da sustentabilidade da dívida pública. O dispositivo pode acionar gatilhos de controle de gastos que são estabelecidos na própria PEC emergencial.
Essa lei complementar deve estipular indicadores da apuração da dívida e os resultados fiscais compatíveis com a trajetória dos débitos. Também medidas de ajuste e planejamento de venda de ativos para reduzir a dívida.
Ainda, é adicionado ao texto constitucional o artigo 164-A. Esse dispositivo vincula as políticas fiscais de União, Estados e municípios a essa lei complementar.
Só será possível saber os efeitos práticos quando o dispositivo for elaborado. Não é estipulado um prazo para a aprovação desse dispositivo.
A PEC emergencial altera o parágrafo 2º do artigo 165, no qual obriga a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de cada ano a se adequar à lei complementar, quando ela existir.
INCENTIVOS TRIBUTÁRIOS
O texto aprovado pelo Congresso obriga o Executivo a enviar ao Congresso, até 6 meses depois da promulgação da PEC, um plano de redução gradual de incentivos e benefícios tributários.
O governo também precisará encaminhar, junto com o plano, propostas de leis e estimativas dos respectivos impactos orçamentários das mudanças. Os projetos enviados devem reduzir os gastos com esses benefícios em 10% já no ano em que esse projeto for apresentado. Ou seja, 2021.
O objetivo, segundo a PEC, é que em 8 anos esses gastos não sejam maiores que 2% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Hoje, são 4,3%.
Diversos benefícios tributários foram blindados dessa redução durante a as negociações para aprovar a PEC.
É o caso da Zona Franca de Manaus e outras áreas de livre comércio no país e dos produtos que compõe a cesta básica. Isso significa que o governo deverá reduzir os subsídios e benefícios fiscais em 10% já nesse ano sem mexer com as exceções.
Não há proibição para que esses benefícios excetuados sejam reduzidos, só não há incentivo já que não contarão para o cumprimento da nova meta.
REVOGAÇÕES
A PEC emergencial originalmente revogava diversos dispositivos da Constituição como os que vinculavam recursos para saúde e educação. Essas ideias causaram controvérsia e foram abandonadas.
Na versão aprovada, sobraram ainda duas revogações: a 1ª trata de um item da antiga Lei Kandir, que repassava para Estados e municípios recursos para compensar a isenção de imposto sobre exportação. A ideia é dar mais segurança jurídica à União, que já resolveu o impasse da lei no ano passado.
O 2º ponto acaba com uma linha de crédito especial para Estados financiarem junto à União suas dívidas de precatórios, criadas a partir de decisões judiciais. A PEC passa de 2024 para 2029 o prazo para pagamento dessas dívidas. O fim do financiamento foi a contrapartida para ampliar a data limite.