Mandetta x Prevent Senior – o que há por trás dessa história?
Ataque do ministro a empresa de planos de saúde para idosos é desproporcional às informações existentes até agora e esquisito, considerando-se seu currículo
Por Marcos Emílio Gomes - Atualizado em 3 abr 2020, 10h38 - Publicado em 2 abr 2020, 12h55
Hospital da Prevent Senior: idosos morrendo em hospital que atende idosos Reprodução/VEJA
O ministro Luiz Henrique Mandetta, candidato a herói da guerra contra o Covid-19 e da resistência à insanidade presidencial, faz bobagem sem tamanho quando leva argumentos do lobby das operadoras de saúde para o coração da emergência sanitária. O ministro gastou bom tempo de sua coletiva no dia 31 de março para discursar contra a operadora de saúde Prevent Senior, que tem um hospital no qual morreu a maioria das vítimas do coronavírus na cidade de São Paulo. Num momento em que questões de desigualdade estão mobilizando até os mais iguais, a atitude equivale a tomar partido, sem informações concretas, dos que mais lucram e menos dão retorno ou satisfações na área da saúde.
Com seu histórico de ex-conselheiro e ex-presidente de outra empresa do mesmo ramo que a Prevent Senior e de ex-deputado em cuja campanha foi noticiado aporte financeiro de operadora de planos de saúde, Mandetta deixou no ar a suspeita de que atende a interesses que não vêm ao caso no grave momento de crise vivido pelo país. Seria muito positivo se esclarecesse seu discurso.
Na entrevista, o ministro elencou informações que são uma virtude da Prevent Senior em tempos normais para, numa situação circunstancial de pandemia, acusar a empresa de irresponsabilidade. Mandetta, que chegou a afirmar que a Agência Nacional de Saúde jamais deveria ter autorizado a existência de um plano de saúde voltado para o atendimento de idosos, disse que no Hospital Sancta Maggiore, de propriedade da Prevent Senior, juntaram-se condições excepcionalmente ruinosas na situação de epidemia.
Enumerou o que não se quer neste momento: primeiro, “aglomeração”; segundo, “aglomeração de idosos”; terceiro, “aglomeração de idosos todos doentes, imunodeprimidos”; quarto, “idosos que não possam sair desse lugar”; quinto, “que entre o vírus nesse ambiente”. “Isto é um hospital na cidade de São Paulo”, acrescentou. E concluiu com um raciocínio que entrega a razão de sua virulência contra a empresa. “Um empresário achou, na sua cabeça, que os idosos compram muito plano de saúde. Então ele falou: ‘Vou vender um plano de saúde mais barato. Não vou mexer com pré-existência [de doenças]. Vou admiti-los'”, afirmou, dando uma lição até admissível para o ministro da Economia mas comprometedora na sua função: “Ele não diluiu o risco da carteira. Ficou com os mais complexos”.
Era de se esperar que o ministro da Saúde, diante da pandemia que acomete mais gravemente os idosos e, em consequência, os hospitais da rede Sancta Maggiore, declarasse prontidão para ajudar particularmente a Prevent Senior tanto quanto o governo já esta fazendo com as companhias aéreas e até mesmo as empresas do setor de planos de saúde em geral, autorizadas a usar R$ 10 bilhões de um fundo garantidor do sistema. Afinal, a própria existência da empresa de planos para idosos decorre da combinação de incompetência do sistema público (para funcionar de fato universalmente) e da ganância (da maioria das operadoras), como é fácil demonstrar.
É crucial que as entidades de fiscalização de planos e hospitais acompanhem atentamente o que acontece nos hospitais da Prevent Senior, para detectar falhas que possam ter levado o vírus a se espalhar entre doentes internados por outras razões. Mas por enquanto é só leviandade apontar a morte de mais idosos num hospital que atende justamente idosos de classe média, o segmento no qual se espera maior número de vítimas fatais num primeiro momento.
O que talvez não passe pela garganta do ministro e das outras operadoras de planos de saúde é que a empresa conseguiu, ao longo de duas décadas de existência, criar um padrão de atendimento a idosos com preços bem menores que o aceito como normal no predatório mercado controlado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Enquanto os produtos de outras companhias cobram do associado até R$ 5 mil reais de mensalidade, conforme a faixa etária, a Prevent Senior oferece planos entre 50% e 70% mais baratos e presta atendimento geralmente de melhor qualidade a seus beneficiários, sem submetê-los aos escorchantes aumentos por envelhecimento – prática estranhamente aplaudida por quem discursa a favor de “diluir o risco”.
Não admira que a empresa tenha atraído clientes mais velhos. Por isso, agora, de certo modo, ela é vítima de sua estratégia, numa situação inesperada – como seriam os centros de ortopedia se o vírus atacasse a mobilidade das pessoas.
O que acontece com a Prevent Senior, conforme esclarecem muitas reportagens
- apontando lucros da empresa ao longo do tempo,
- é que ela conseguiu estabelecer padrões eficientes de atendimento ao priorizar a utilização de rede própria,
- contratar médicos como funcionários,
- informatizar o sistema de acompanhamento de todos os seus pacientes,
- promover medicina preventiva entre beneficiários e
- utilizar inteligentemente estruturas ociosas,
- como a de clubes esportivos para tratamentos fisioterápicos, entre outras medidas.
Muitas das tradicionais empresas de planos de saúde comportam-se como intermediárias financeiras, quase na agiotagem, cobrando alto na ponta dos clientes e pagando pouco na ponta dos prestadores de serviços – médicos, hospitais, serviços de ambulância e de home care. Não espanta que, na emergência produzida pela pandemia, tenha sido necessário o governo determinar que as empresas de planos de saúde têm de pagar pelos testes de coronavírus realizados por seus clientes – se pudessem, não pagariam.
Cabe perguntar, por sinal, qual a contribuição extraordinária que essas companhias vão dar neste momento. Na rede hospitalar privada, o Albert Einstein e outros estabelecimentos têm dado exemplo de colaboração. Cadê a ação dos grupos de planos e de seguro-saúde?
Como não pode ser tão desinformado, só se pode acreditar também que Mandetta fugiu dos fatos quando disse que o plano da Prevent Senior atende apenas pessoas com mais de 60 anos. Se começou assim, criando sua primeira base de clientes, a empresa alterou essa estratégia há muito tempo. E é sobretudo esse avanço em número de clientes com faixas etárias menores que arrepia a concorrência – e talvez explique o ataque do ministro na entrevista coletiva.
Seria melhor aplicado, esse tipo de reação, se tivesse como alvo a comitiva que seguiu Bolsonaro na visita aos EUA em março e que se tornou o maior foco de contaminação num único grupo em todo o país. Aliás, não seria inadequado o ministro exigir que o presidente mostrasse os resultados de seus testes, já que autoridade pública que pode ter colocado em risco a integridade de cidadãos não está protegida pela tal “privacidade” aventada nesse caso. Desfazer cabalmente dúvidas sobre a saúde do presidente e sobre a eventual contaminação que possa ter produzido são obrigações de quem vive com salário pago pelo Erário.
Cabe aqui esclarecer que o autor é usuário da Prevent Senior e já foi cliente de outras operadoras. É testemunha, portanto, da eficiência do serviço, suplantada apenas pelos milionários produtos corporativos ou pelos exclusivos e impagáveis planos oferecidos ao 1% mais rico da população. Não tem procuração nem lucro nenhum ao apontar esse estranho, mas aparentemente explicável, ataque do ministro à empresa.
Os hospitais da Prevent foram algumas vezes vistoriados pelas secretarias estadual e municipal paulistana nos últimos dias. Há uma discussão sobre intervir na gestão dos estabelecimentos. Comprovada a existência de problemas, isso terá mesmo de ser feito. Mas seria bom saber, antes, quais serão os padrões que se terá nos serviços hospitalares públicos quando a epidemia tiver, nesses locais, as mesmas dimensões que já tem para os serviços voltados exclusivamente para idosos.
Fonte:
Veja