Cidade da Flórida minimizou advertências sobre danos estruturais no prédio que caiu
JUNE 28, 2021Fonte: O Globo
Equipes de resgate procurando por sobreviventes no complexo Champlain Towers South, na cidade de Surfside, próxima a Miami, que desabou parcialmente na quinta-feira Foto: Giorgio Viera / AFPMIAMI — Um mês após um engenheiro alertar, em 2018, que o Champlain Towers South — o complexo que desabou parcialmente na Flórida na última quinta-feira — havia sofrido “grandes danos estruturais” que exigiam reparos, um inspetor municipal garantiu aos moradores que o edifício estava em "muito bom estado", segundo a ata da reunião, que foi divulgada primeiramente pela rádio pública americana NPR no domingo.
Quatro dias após o desabamento, o número de mortos subiu para dez nesta segunda-feira, com mais de 150 desaparecidos. E enquanto trabalham 24 horas por dia, vasculhando os escombros em busca de sinais de vida, a esperança de familiares e amigos parece estar desaparecendo.
Um relatório de 2018, preparado por uma empresa de engenharia, encontrou uma séria deterioração do concreto na garagem subterrânea, além de grandes danos estruturais na laje de concreto abaixo do deck da piscina. O engenheiro, Frank Morabito, apontou que a deterioração "se expandiria exponencialmente" se não fosse reparada em um futuro próximo. Ele não deu indicações de que a estrutura estava em risco de colapso, embora tenha notado que os reparos necessários teriam como objetivo “manter a integridade estrutural” do edifício e de suas 136 unidades.
No entanto, Ross Prieto, um inspetor da cidade de Surfside que revisou o relatório, encontrou-se com moradores no mês seguinte, garantindo a eles que o prédio estava seguro, de acordo com a ata da reunião.
Prieto não é mais funcionário da cidade, segundo a própria NPR. A reportagem não conseguiu contatá-lo, mas ele disse ao jornal Miami Herald que não se lembrava de ter recebido o relatório. No entanto, em um e-mail para o prefeito na manhã seguinte à reunião de 2018, Prieto afirmou que tudo correu "muito bem" e que a resposta dos moradores foi "positiva". A causa do colapso continua sob investigação.
Gregg Schlesinger, advogado e ex-empreiteiro especializado em casos de falha de construção, disse estar claro que as deficiências identificadas no relatório de 2018 foram a principal causa do desastre. Por outro lado, Donna DiMaggio Berger, advogada que trabalha com a associação do condomínio, alegou que os problemas são típicos dos edifícios mais antigos da região e que não alarmaram os membros do conselho à época.
Além desse relatório de 2018 poder apontar para uma possível causa do desabamento, especialistas ouvidos pelo New York Times que examinaram uma gravação em vídeo do ocorrido relataram que um ponto na parte mais baixa do edifício, possivelmente dentro ou abaixo da própria garagem subterrânea, pode ter sido onde a destruição foi desencadeada.
— Parece que começa na base da estrutura ou muito perto dela — disse Donald O. Dusenberry, um engenheiro consultor que investigou muitos colapsos estruturais. — Não é como se houvesse uma falha no alto e ela [a estrutura] desabasse.
Mesmo com o relatório e o vídeo, que foi gravado à distância e mostra apenas uma perspectiva do desabamento, ainda não é possível tirar uma conclusão definitiva do desastre. Rick De La Guardia, um engenheiro baseado em Miami com experiência em investigação de falhas de componentes de construção, disse que o colapso também pode ter começado acima da base do edifício, possivelmente no segundo andar. Já Jason Borden, engenheiro que inspecionou o edifício no ano passado, disse à CNN nesta segunda-feira que quaisquer sinais de deterioração são típicos de edifícios na comunidade litorânea e não são graves o suficiente para levantar sinais de alerta.
— O que eu vi enquanto estive lá não me assustou em nada — disse ele.
Ainda há outras possibilidades ventiladas sobre a causa do desabamento. Poderia ser a corrosão do aço nas colunas da garagem subterrânea ou nos primeiros andares, estacas instaladas incorretamente na base do prédio ou uma construção pesada ao lado do edifício, feita em 2019, que poderia ter danificado o Champlain Towers South. Um e-mail divulgado pela prefeitura no domingo revelou que um membro da diretoria do condomínio havia ido à prefeitura em busca de ajuda na época, expressando “preocupações em relação à estrutura de nosso prédio”. As autoridades municipais, porém, se recusaram a intervir, sugerindo que os residentes contratassem alguém para monitorar os impactos.
As pistas para qualquer um desses problemas só ficarão claras após a operação de resgate terminar, a recuperação começar e os engenheiros cavarem até o fundo da pilha de destroços, disse David Peraza, engenheiro da Exponent, uma empresa de consultoria científica e de engenharia. Ele acrescentou que os investigadores também devem examinar os documentos de construção que descrevem exatamente como as estacas foram construídas.
O prédio estava entrando em um processo de recertificação — um requisito para estruturas de 40 anos que sofreram o castigo dos furacões costeiros da Flórida, das tempestades e da maresia corrosiva que pode penetrar no concreto e enferrujar os vergalhões e as vigas de aço de seu interior. A exigência foi implementada após um colapso anterior de um prédio em Miami, em 1974.
E enquanto indícios da causa do desabamento vêm à tona, o trabalho de resgate continua. Nesta segunda-feira, quando mais uma morte foi confirmada — elevando o número a dez —, equipes vasculharam o topo da pilha de destroços. Maggie Castro, do Fire Rescue do condado de Miami-Dade, disse à CNN que o trabalho ainda se tratava de uma missão de resgate.
— Ainda estamos tentando encontrar espaços vazios. Sabemos que o tempo é essencial — afirmou. — Mas, como você pode imaginar, será menos provável que encontremos sobreviventes.
Alguns parentes dos desaparecidos forneceram amostras de DNA às autoridades, e alguns familiares tiveram permissão para fazer uma visita privada ao local. As autoridades também pediram aos parentes que fizessem gravações de suas vozes e as enviassem. Douglas Berdeaux, cuja cunhada, a comissária de bordo Elaine Sabino, está entre os desaparecidos, supôs que as vozes seriam reproduzidas em alto-falantes no local do desastre para trazer esperança a quem ainda possa estar preso.
Mas apesar das buscas incansáveis, envolvendo mais de 300 equipes de emergência e o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, a esperança parece estar desaparecendo.
— Estamos apenas esperando e rezando para que um milagre aconteça — disse Berdeaux.
No domingo, Pablo Rodriguez, de 40 anos, estava achando cada vez mais difícil acreditar que sua mãe e sua avó ainda estavam vivas.
— Gostaria de dizer que sim, mas a resposta é não.