Imagens de
CPI indicam disparo ilegal de mensagens pelo WhatsApp na eleição
Fotos foram anexadas às investigações
de comissão que apura notícias falsas na disputa de 2018
19.fev.2020 às 21h05
BRASÍLIA e SÃO
PAULO
Imagens enviadas pelo ex-funcionário da Yacows Hans River do Rio Nascimento e
exibidas nesta quarta-feira (19) na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News indicam
que a empresa realizava disparos ilegais de mensagens pelo WhatsApp.
As fotos foram anexadas às investigações da comissão que apura a
disseminação de notícias falsas nas eleições de 2018.
Durante a sessão desta quarta, os parlamentares ouviram o
depoimento de Lindolfo Alves Neto, o principal sócio da Yacows, empresa
investigada na CPMI pelo disparo em massa na última disputa eleitoral.
O empresário Lindolfo Antonio Alves, da Yacows, ouvido na CPI das Fake
News - Pedro Ladeira/Folhapress
As imagens mostram caixas contendo chips de celulares em cima de mesas
da empresa, vários aparelhos conectados a um computador e com o WhatsApp Web
aberto, além de fotos de monitores com registros de sistemas internos da
companhia.
Em uma das imagens, é possível ler o início da frase “Urgente: Marcelo
Odebrecht delata Fernando Haddad”.
Não é possível ver o resto da mensagem, mas, à época, houve um disparo
de mensagem contra o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, relativa à
delação do empresário, que dizia: “Urgente- Marcelo Odebrecht delata Fernando
Haddad recebeu propina grossa via Palocci (acabou a farsa)”.
Uma delação de Marcelo Odebrecht afirmou que ele foi procurado por Guido
Mantega para quitar contas de campanha municipal de Haddad em 2012. No
depoimento ele afirmou que fazia repasses em casos autorizados pelos
ex-ministros Mantega e Antonio Palocci.
Haddad na época afirmou que as afirmações não faziam sentido e que a
gestão dele contrariou interesses da Odebrecht.
Durante depoimento, que durou cerca de cinco horas, o empresário foi
questionado sobre as imagens e reconheceu que as fotos foram tiradas dentro da
sede da Yacows.
No entanto, ao ser confrontado com a imagem contendo a mensagem com
ataques à campanha petista, disse desconhecer o conteúdo.
Imagem de telefones apresentada em CPMI que sugere envio de mensagens
contra campanha de Fernando Haddad (PT) em 2018 - Reprodução
No entanto, a lei eleitoral proíbe mensagens ou comentários na internet
que ofendam ou prejudiquem a imagem de um candidato. O conteúdo deve ser
exclusivo do candidato que contratou o serviço. É vedado qualquer tipo de
ataque a adversários.
Alves Neto foi questionado diversas vezes ao longo do depoimento se
tinha conhecimento dos conteúdos das mensagens que eram enviadas pela
plataforma criada pela Yacows para disparos em massa. Na maioria das vezes, o
empresário disse desconhecer o teor das mensagens.
Contudo, ao questionar se a empresa poderia ter disparado conteúdo com
pornografia infantil ou fake news, negou, afirmando que fez uma auditoria no
final de 2018 e não constatou nenhuma ilegalidade.
Alves Neto admitiu que a Yacows prestou serviços diretamente para ao
menos 37 campanhas eleitorais, entre elas a de Henrique Meirelles (MDB) à
Presidência, que custou R$ 2 milhões. Na lista encaminhada à CPMI aparecem
ainda nomes como o dos deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP), Paulo Abi
Ackel (PSDB-MG), Samuel Moreira (PSDB-SP) e Rui Falcão (PT-SP).
Alves Neto também disse que Fernando Haddad e Jair Bolsonaro usaram
indiretamente os serviços da Yacows, enquanto negou ter sido contratado pela
campanha do ex-candidato Ciro Gomes (PDT).
Em relação à campanha de Bolsonaro, o empresário admitiu que o
conteúdo foi apagado, embora tenha dito não saber quem fez isso. Em 2018, a
empresa responsável pela estratégia digital da campanha do capitão reformado,
AM4 Inteligência Digital, notificou extrajudicialmente a Yacows após registros
serem apagados e o valor do serviço, estornado.
Aos integrantes da CPMI, Alves Neto confirmou que recebeu a notificação,
mas que acreditava não ter respondido. “Isso tenho que verificar, porque nós
desconhecemos por que foi apagado ou quem apagou”, afirmou o sócio da Yacows.
Em nota, a AM4 reafirmou que jamais apagou mensagens enviadas na
plataforma, além de negar ter usado bancos de dados comprados para disparos
de WhatsApp.
Durante a CPMI, os congressistas questionaram se o sócio da Yacows
autorizaria a quebra de seus sigilos bancário e telefônico e encaminharia os
contratos firmados com outras empresas, como a AM4, em 2018.
Alves Neto, porém, alegou ter sido orientado por seu advogado a negar o
pedido.
Os congressistas investigam como a Yacows obteve CPFs de idosos usados
para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em
benefício de políticos.
Em dezembro de 2018, a Folha revelou, com base em
documentos e depoimento de Hans River, o uso de nome e CPF de idosos para
registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em
benefício de políticos.
Após dar entrevista e fornecer evidências à Folha, Hans
River, ex-funcionário da Yacows, fez um acordo com a empresa, incluindo termo
de sigilo, e pediu para retirar o que havia dito.
As imagens e documentos incluídos no processo e enviados à reportagem
mostravam um frenético trabalho no período eleitoral.
A legislação exige o uso de cadastro de CPFs existentes para liberar o
uso de um chip. Como o WhatsApp bloqueia números que enviam grande volume de
mensagens para barrar spam, as agências precisavam de chips suficientes para
substituir os que fossem bloqueados e manter a operação.
O ex-funcionário encaminhou à Folha uma lista de
10 mil nomes de pessoas nascidas de 1932 a 1953 (de 65 a 86 anos) que,
de acordo com ele, era distribuída pela Yacows aos operadores de disparos de
mensagens.
No depoimento, o empresário disse desconhecer o uso de CPFs ilegalmente
para disparo de mensagens de WhatsApp durante as eleições.
Ele apresentou um vídeo afirmando ser possível se conectar no WhatsApp
sem o número do documento. Depois, porém, afirmou que 70% dos chips mostrados
em fotos durante a CPMI são comprados de outras empresas que prestam serviços
similares e que não saberia dizer se haveria algum CPF associado a esses
dispositivos.
Questionado sobre a afirmação de Hans River de que os operadores
recebiam uma lista de CPFs para validar os chips, Alves Neto afirmou
desconhecê-lo. Instado a dizer se negava, ele repetiu que desconhecia.
O verbo desconhecer foi usado mais de 40 vezes durante o depoimento,
sempre quando o sócio da Yacows era confrontado com situações que poderiam
incriminar a atividade da empresa.
No início da sessão, seu advogado, José Caubi Diniz Júnior, recorreu à
Constituição para garantir o direito de Alves Neto não jurar que falaria só a
verdade para evitar produzir provas contra si.
O defensor citou seis investigações em curso em São Paulo, Brasília e na
Justiça Eleitoral sobre as atividades da Yacows, e afirmou que o depoimento
poderia comprometer a defesa do seu cliente.
“Vou insistir porque é incompatível um termo de compromisso e, ao mesmo
tempo, não produzir prova contra si. O depoente quer colaborar, apenas não quer
prestar depoimento com fundamento na Constituição Federal”, disse.
Na sessão desta quarta, os integrantes da CPMI ouviriam também outra
sócia da Yacows, Flávia Alves, irmã de Lindolfo.
No entanto, como o depoimento do empresário se estendeu durante toda a
tarde, eles decidiram adiar a convocação dela para depois do Carnaval, quando
também serão analisados os 90 requerimentos ainda abertos, segundo o presidente
da comissão, senador Angelo Coronel (PSD-BA).
Fonte: Folha
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