embaixador Yang Wanming ao lado do presidente Jair Bolsonaro: estilo discreto esconde determinação de defender os interesses chineses no Brasil.| Foto: Alan Santos/PR
No calendário chinês, 2020 é dedicado ao rato. Perdoem-me os fãs do roedor (se é que eles existem), mas eles são um dos animais mais asquerosos que, nas sombras, convivem entre nós. Competem com as baratas no pódio dos bichos mais nojentos e sujos. Basta se lembrar daquela música dos Titãs.
Nesta semana, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, veio à luz. Servindo em seu quinto posto na América Latina, ele construiu sua reputação como um homem discreto desempenhando o seu papel e colocando em prática os planos de Pequim sem fazer barulho. Transitando pelo cenário geopolítico latino-americano sem quase ser notado, mas não sem efeitos. Ele já foi terceiro secretário na embaixada na Argentina; conselheiro na representação no México; e embaixador no Chile e na Argentina antes de desembarcar no Brasil em março do ano passado. Experiência que fez com que ele chefiasse o departamento de América Latina do Governo chinês.
Mas Wanming quebrou a regra nesta semana. E não o fez de forma autônoma ou não calculada. Quem entende minimamente o funcionamento das manifestações na diplomacia ou tem apenas uma vaga ideia de como as coisas funcionam na China sabe que a violência com a qual o diplomata reagiu a uma postagem no Twitter só pode ter acontecido com sob as ordens do Partido Comunista Chinês, ou até possivelmente do presidente Xi Jinping.
Wanming saiu da toca para atacar o governo brasileiro. A postagem do filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro foi apenas o gatilho para a China aproveitar e demarcar sua posição. A nota da embaixada é clara. Combinada com as mensagens postadas por eles e o embaixador no Twitter, ela é uma ameaça. Façam o que eu mando ou sofrerão as consequências.
O chiado dos chineses se dá quando o governo brasileiro passa pelo seu momento mais conturbado. Seja pelos efeitos globais do vírus chinês, seja pelas questões internas. No tabuleiro chinês, não há hora melhor para o golpe. Recomendo a leitura (infelizmente apenas em chinês e inglês) de um livro redigido por dois generais daquele país. No texto, que é empregado como doutrina militar pelo regime, há o “mapa” que indica como o país deveria combater, de forma não-bélica, as potências ocidentais, a fim de (re)conquistar relevância global. O que está acontecendo no Brasil está bem descrito no trabalho. Um dos pontos em questão pode ser lido a partir da página 146.
Na Argentina, país onde Wanming serviu como embaixador de 2014 a 2018, sua reputação dentro de alguns círculos mais exclusivos do governo anterior é a de um rato. Ele foi arquiteto de uma das maiores trapaças diplomáticas da história argentina e provavelmente mundial.
Poucos meses depois que assumiu a embaixada da China em Buenos Aires, ele conseguiu firmar com os argentinos um acordo de cooperação na área de ciência e tecnologia recheado de boas intenções. O Congresso argentino, então recheado de kirchneristas, aprovou a construção de uma base de satélites chinesa no deserto da Patagônia. A maior do gênero fora da China. O empreendimento erguido com a promessa de uso civil ajudaria os argentinos com o provimento de uma dados científicos derivados das pesquisas espaciais que os chineses desenvolveriam ali.
Em 2016, ainda recém-empossado, o então presidente da Argentina Mauricio Macri se deu conta de um problema. Os argentinos não podiam ter acesso às instalações que estavam sendo construídas pelos chineses. Então ele determinou que a ministra das relações exteriores Susana Malcorra chamasse o embaixador Wanming para uma conversa. Macri não estava de acordo com a perda de soberania da Argentina sobre parte de seu território.
Além da falta de cumprimento do contrato, que prevê que os chineses informem sobre as atividades desenvolvidas na base, Macri pedia uma revisão dos termos, pois considerava inaceitável o fato de que as instalações chinesas continuassem inacessíveis aos argentinos. Segundo o relato de um ex-funcionário argentino, Wanming foi extremamente solicito. Em perfeito espanhol, disse para chanceler que estava às ordens. Que a Argentina apresentasse todas as sugestões desejadas. Com o sorriso no rosto, ele recomendou apenas que fossem observadas algumas cláusulas que fez questão de citar.
Foi então que os argentinos se deram conta da armadilha. A revisão do contrato da base implicaria na revisão de todos os contratos com a China. Estavam em jogo bilhões de dólares em empréstimos e investimentos. Macri se viu sequestrado. Calou-se e Wanming venceu, sem disparar um tiro e sem ganhar a atenção do mundo fincou na América do Sul uma autêntica instalação militar.
O envio de Wanming para o Brasil não foi casual. Ele chegou ao país na largada do governo Bolsonaro e com uma missão. Ao longo do ano passado, ele, ao seu estilo discreto, mas direto, mandou várias mensagens para o governo. Enviou generais chineses para tentar convencer seus pares brasileiros sobre a necessidade de “escolher um lado” no mundo. Chegou a prometer um acordo de cooperação militar com Brasil em troca do rompimento com os Estados Unidos e replicou o modelo de diplomacia que adotou na Argentina: a cooptação de elites.
Com a ajuda de empresários e políticos, a Wanming fez o que fez. Assustadoramente, no Brasil não tem sido diferente. A cegueira provocada pelas disputas políticas internas aliada à sinodependêcia de nossa economia está nos levando ao mesmo destino. Não falta muito para assumirmos uma posição que cabe em outra acepção de ratos.
Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro”, pesquisador e comentarista sobre segurança e relações internacionais. Escreve semanalmente, desde Washington, D.C.
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