O aviso está dado
A disposição da atual gestão de entregar ao próximo presidente os dados para que ele saiba onde está pisando desmoraliza qualquer tentativa de alegar desconhecimento sobre a situação do País
O Estado de S.Paulo - Opinião
03 Outubro 2018 | 03h00
O Ministério do Planejamento elaborou um extenso documento em que detalha as decisões que o próximo governo terá de tomar logo nos primeiros dias da nova gestão para evitar que as contas públicas se aproximem perigosamente do colapso. Não se trata, é claro, de nenhuma imposição, pois o presidente eleito terá absoluta autonomia para tomar as decisões que julgar adequadas, de acordo com o programa apresentado ao eleitor. No entanto, será muito difícil, se não impossível, governar sem adotar imediatamente a maioria das medidas destacadas pelo Planejamento.
Segundo o relatório, são 36 decisões a serem tomadas nos primeiros cem dias de governo. De saída, conforme os técnicos do Planejamento, o presidente terá de proibir que os Ministérios reajustem índices e tabelas que representem mais despesas, o que tem sido feito por meio de portarias, que não passam pelo crivo do Congresso.
Também nos primeiros dias, o novo governo terá de enviar ao Congresso um pedido de crédito extraordinário, da ordem de R$ 285 bilhões, para cobrir gastos com a Previdência e pagar despesas correntes sem violar a chamada “regra de ouro” – que impede o governo de contrair dívidas para manter a máquina pública em funcionamento. Se ignorar a “regra de ouro”, o presidente pode ser acusado de crime de responsabilidade.
Além disso, o documento avisa que será necessário rever despesas e renúncias fiscais até o final de março, com o objetivo de cumprir o estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Um dos pontos mais importantes dessa revisão diz respeito ao reajuste salarial dos servidores públicos, que terá de ser adiado para 2020, segundo o estudo do Planejamento.
O documento informa também que o presidente eleito terá de reduzir o número de funcionários dos Correios e da Infraero, estatal que administra aeroportos, além de promover mudanças no programa Minha Casa, Minha Vida, reduzindo o subsídio da União por unidade habitacional.
“Os pontos de alerta são aquilo que têm data de vencimento. São as questões que já estão endereçadas e requerem do governo eleito uma tomada de decisão já no primeiro trimestre de 2019”, explicou o secretário executivo do Planejamento, Gleisson Rubin. “O objetivo é demonstrar um diagnóstico da situação e sugestões”, afirmou o ministro do Planejamento, Esteves Colnago. Diante do quadro crítico das contas públicas – os gastos obrigatórios, mantidas as atuais condições, deverão chegar a 98% do total de despesas do governo em 2021 –, não parece haver muita margem para tergiversações.
Por isso, é digna de destaque a publicidade dada ao documento do Planejamento, atitude que está em linha com a total transparência adotada pelos técnicos do atual governo para iluminar o quadro geral da administração para o próximo presidente.
Infelizmente, há candidaturas que não reconhecem tal esforço, malgrado seu evidente espírito republicano. “O governo todo está aparelhado. Os números que saem do governo não são confiáveis. O PT aparelhou desde o faxineiro até o presidente da República”, declarou o general da reserva Augusto Heleno, que participa da formulação do programa do candidato Jair Bolsonaro (PSL), atual líder das pesquisas de intenção de voto. Por esse motivo, disse o general ao Valor, “a esta altura qualquer plano de governo é farsa”. É fato que parte substancial da máquina governamental continua aparelhada pelo PT. Mas também é verdade que as contas públicas nacionais são bastante confiáveis e, por estarem sujeitas a regras claras, situam-se no nível de credibilidade das contas dos países-membros da OCDE. Com suas declarações, os líderes da campanha de Bolsonaro pretenderam dar uma espécie de escusa preventiva para os eventuais – e quase certos – problemas que um governo do PSL, bem como qualquer outro, enfrentaria logo nos primeiros dias.
No entanto, a disposição da atual gestão de entregar ao próximo presidente os dados necessários para que ele saiba exatamente onde está pisando desmoraliza qualquer tentativa de alegar ignorância ou desconhecimento sobre a real situação do País. Aqueles que fizeram a seu eleitor delirantes promessas de prosperidade instantânea e sem esforço, contrariando todas as evidências, terão de encontrar uma desculpa melhor.
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