O banqueiro de Doria
Ex-executivo
do Itaú, Caio Megale tem um orçamento de R$ 54,4 bilhões em mãos. Seu desafio é
tornar a máquina pública eficiente e aumentar a arrecadação da cidade sem ferir
o bolso do contribuinte
Megale, secretário da Fazenda: “Não há mais espaço para aumentarmos os
impostos da cidade” (Crédito: Andre Lessa/Istoe)
Paula Bezerra
03.03.17 - 19h00
A agenda do economista Caio Megale sempre foi muito atribulada. Entre
2011 e 2016 como economista do Itaú BBA, na equipe de Ilan Goldfajn, ele
dividia sua rotina entre longas reuniões com clientes e o mergulho nos números
do mercado financeiro e da economia brasileira. Mas, no feriado de Finados, em
2 de novembro, um breve tempo de descanso foi interrompido por uma mensagem da
secretária da Fazenda do Estado de Goiás, Ana Carla Costa. Embora tivessem
trabalhado juntos no Itaú, não se falavam com frequência.
Ana Carla avisou Megale que, ao recusar o convite do prefeito João Doria
Jr. (PSDB) para assumir a secretaria da Fazenda, ela tinha indicado o nome dele
para chefiar a economia da cidade mais rica do País. “Entrar na gestão pública
depois de anos no mercado financeiro é um choque, pois você se depara com a
ineficiência do setor público”, diz Ana Carla. “Mas a experiência no setor
privado pode mudar a cultura do serviço público e mostrar que é possível fazer
mais com menos.” Agora, Megale está do outro lado da mesa.
Mãos à obra: para aumentar a receita da cidade, a prefeitura
montou um plano de privatização que conta com 52 itens. Entre eles, está o
Parque Anhembi, onde fica o Sambódromo, varrido pelo prefeito João Doria Jr.
durante a apresentação das escolas de samba no carnaval (Crédito:Rogério
Capela/ASI)
Doria aceitou a sugestão de Ana Carla e desde 1º de janeiro ele trocou
sua sala na avenida Faria Lima, sede do Itaú BBA, pelo último andar do Edifício
Matarazzo, em frente ao Viaduto do Chá, no centro da capital. Sua análise
crítica às políticas públicas foi a principal característica que convenceu o
prefeito paulistano a escolhê-lo. “Além de um economista de primeira linha, ele
tem experiência de executivo e um enorme conhecimento em finanças públicas”,
diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio-fundador da Mauá Capital. “Trabalhei com
ele durante sete anos e sei que o bom-senso dele o ajudará.”
Na equipe de Ilan no Itaú, o atual secretário da Fazenda ficava
debruçado sobre a situação econômica e fiscal dos governos. Num desses
relatórios, por exemplo, divulgado no primeiro trimestre de 2016, Megale
afirmou que a recuperação das contas do País viria tanto de medidas como a PEC
do teto dos gastos como da chamada “regeneração natural do tecido econômico”,
ou seja, que a produção se adaptaria ao novo ritmo do consumo. Esses fatores
seriam fundamentais na busca pelo reequilíbrio das contas. “Entrar para a
gestão pública é uma oportunidade de colocar em prática toda a teoria que
aprendemos ao longo da carreira como economista”, diz Megale.
Outro fator que coloca Megale alinhado às propostas de Doria é a
criatividade. O novo secretário da Fazenda de São Paulo precisa aumentar a
receita da cidade sem onerar mais o bolso do contribuinte. Ele terá três
frentes para atacar. A primeira é a fiscalização do pagamento de impostos, como
o IPTU e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Para isso, propôs a reformulação da
Nota Fiscal Paulistana, que passará a ser chamada de Nota do Milhão, anunciada
na quinta-feira 2. Os prêmios, que antes eram periódicos, passarão a ser
mensais, num sorteio de valor único de R$ 1 milhão.
O objetivo é estimular a emissão de notas fiscais por prestadores de
serviços e aumentar a arrecadação do ISS, que está em queda. Em 2016, a
arrecadação desse tributo caiu 8%, segundo a Frente Nacional de Prefeitos, uma
perda de R$ 896 milhões na receita da capital paulista. No biênio de 2015 e
2016, o recuo foi de 11,5%. Megale calcula que poderá incrementar em até R$ 200
milhões o orçamento com a Nota do Milhão. “O desafio da gestão atual é
manter a arrecadação em um nível como o de 2016, diante da atual recessão que
enfrentamos”, diz economista Amir Khair, secretário de Finanças da gestão
de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1992).
Neste ano, o orçamento paulistano será de R$ 54,4 bilhões, 5,9% maior
que o do ano passado. É um dos mais importantes da América Latina, comparado ao
de países como Sérvia e Uruguai, além de ser maior que o de 21 estados brasileiros,
além do Distrito Federal (leia quadro ao final da reportagem). A segunda frente
a ser trabalhada por Megale é a parceria com a Secretaria de Desestatização de
São Paulo, para encontrar parcerias público-privado para o município. Esse
Plano Municipal tem 52 itens e ainda não foi detalhado por completo pelo
secretário Wilson Poit, que será o responsável pelas licitações.
Ana Carla Costa, da Fazenda de Goiás: a experiência no setor privado
pode mudar a cultura do serviço público e mostrar que se pode fazer mais com
menos
Estão na lista, por exemplo, o Parque
Anhembi e o Autódromo de Interlagos. A Secretaria da Fazenda estima arrecadar
entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões com essas duas vendas. Outro item que poderá
ser licitado é a gestão do sistema do Bilhete Único, o cartão usado para o
pagamento de passagem de transporte público, que está sob responsabilidade da
empresa de economia mista SPTrans. Com a terceirização da gestão,
a prefeitura deixaria de gastar R$ 456 milhões por ano. “Não há mais espaço
para aumentarmos os impostos da cidade”, diz Megale. “Essa
parceria com o Poit vai tirar pedras da mochila da prefeitura e, se bem
administrada, vai virar uma boa fonte de receita para a segunda metade do
governo.”
A
última frente – e talvez a mais importante – são as operações financeiras, como
a renegociação de dívidas, a busca por crédito e as negociações com
instituições multilaterais. As contas de São Paulo foram organizadas pela
gestão de Fernando Haddad, que conseguiu renegociar com a União a dívida
municipal, que em 2015 havia chegado a 190% das receitas líquidas. O saldo
devedor da cidade caiu R$ 46 bilhões, de R$ 74 bilhões para R$ 28 bilhões. Pelo
novo cálculo, o IGP-DI mais 9% de juros ao ano foi trocado por IPCA mais 4%. O
então secretário Marcos de Barros Cruz, que também tinha experiência na
iniciativa privada, conseguiu mudar o perfil da secretaria da Fazenda.
Até
a gestão de Mauro Ricardo Costa, no governo Gilberto Kassab, o objetivo era
aumentar a arrecadação. Cruz conseguiu implementar uma gestão com planejamento
e foco em resultados. Megale pretende seguir essa mesma linha. “Esse é um dos
caminhos para que São Paulo consiga investir em mobilidade urbana, educação e
saúde, sem impactar nas receitas”, diz Alex Agostini, economista-chefe da
Austin Rating. Embora tenha recebido a Secretaria da Fazenda com as contas em
ordem, Megale tem um enorme desafio pela frente: conseguir direcionar receita
da prefeitura para os investimentos, uma das principais carências da cidade.
Favorável
a um teto para os gastos públicos, Megale afirma que terá de encontrar jogo de
cintura para avaliar quais são as prioridades de repasse que contribuam para o
desenvolvimento do município. “Seria muito fácil fechar o cofre e falar:
‘pronto, vamos ficar assim para não contrair dívidas’”, diz o economista. “Mas
precisamos investir em educação, saúde e trabalhar para diminuir a desigualdade
social.” Em sua mesa, hoje, está o buraco causado pela proposta de passe livre
aos estudantes que usam transporte público, um estouro de R$ 3 bilhões – acima
do R$ 1,7 bilhão estipulado pela Câmara de Vereadores. Ele precisou, também,
direcionar R$ 439 milhões das obras para a folha de pagamento dos servidores da
rede pública, que receberam um aumento da última gestão que não havia sido
colocado no orçamento.
Megale
continua um workaholic na prefeitura. Não sai antes das 21 horas, quando o
prédio está totalmente trancado. Com tanto trabalho à vista, o palmeirense roxo
teve que deixar até mesmo o futebol que jogava religiosamente todas as
segundas-feiras à noite, com seus colegas de escola. “Quando o mandato acabar,
quero olhar para trás e conseguir dizer: ‘deixei um legado positivo para a
cidade de São Paulo e contribuí para seu desenvolvimento’”, diz ele. A
perspectiva é das melhores. Um estudo da Oxford Economics inseriu a capital
paulista como a única cidade brasileira num ranking de cidades mundiais que
devem apresentar maior crescimento no PIB até 2030, com um PIB de US$ 335
bilhões.
Fonte: Isto é Dinheiro
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