Dilma está emparedada pelo Congresso, que impõe sua agenda”
Murillo de Aragão
Entrevista a Isabel Braga publicada no jornal O Globo
O propalado fracasso na relação da presidente Dilma Rousseff com o Congresso mudará de vez a política do país, opina o cientista político Murillo de Aragão. Para ele, a falta de habilidade e de apreço de Dilma pela política põem um ponto final na postura submissa do Poder Legislativo em relação ao Executivo.
“Dilma fez uma grande favor ao equilíbrio dos poderes, porque o mau uso da hegemonia do Executivo gerou a rebelião dentro do Congresso. Hoje temos um poder mais independente, mais forte”, diz Aragão, criador da consultoria Arko Advice.
O analista já vinha apontando um desgasta do chamado presidencialismo de coalizão, em que o presidente constrói uma ampla base de apoio cedendo cargos e verbas em troca de votos no Congresso. Esse modelo foi usado por FHC e teve o seu auge no governo Lula.
Segundo Aragão, Dilma agora terá que dialogar com o Congresso para formar novas maiorias em torno de temas específicos e, para isso, terá de dialogar também com a oposição.
O que representa a atitude do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de devolver um projeto importante para o ajuste fiscal de Dilma (a MP que anula a desoneração da folha de pagamento) logo depois de ser avisado que seu nome estava na lista de políticos da Lava-Jato?
A atitude do Renan combina dois fatores claros para mim: primeiro, o desejo do Congresso de ser reconhecido como poder que ele é. É uma atitude institucional e segue tendência clara, que começou com a decisão de votar os vetos presidenciais, aprovar o orçamento impositivo e agora essa atitude mais pontual.
O segundo problema é operacional. A coordenação política do governo com o Congresso não está funcionando. Uma MP com essa relevância teria que ter sido previamente negociada com as principais lideranças.
Renan já havia boicotado um jantar com Dilma. Ele passou de aliado preferencial a rebelde?
Tem um componente institucional claro, foi eleito três vezes presidente do Senado. Não acredito que a não ida (ao jantar) tenha sido retaliação a alguma desfeita de natureza pessoal. O que existe é um desconforto dentro da coalizão do PMDB e um fortalecimento institucional do Congresso.
O senhor faz um diagnóstico de crise no presidencialismo de coalização. Pode explicar o porquê?
O presidencialismo de coalização visa dar ao presidente eleito uma maioria dentro do Congresso. Seria, a grosso modo, um semi-parlamentarismo, porque o governo precisa ter uma maioria para aprovar suas propostas e proteger o governo contra a oposição. Na medida em que o sistema político evolui e as forças políticas do Congresso não se acham adequadamente representadas no governo, ocorrem tensões. E essas tensões ficaram evidenciadas ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma.
Mas como chegou a esse ponto?
Não houve a adequada participação dos partidos nos ministérios, na distribuição de cargos e de verbas relacionadas a esse suporte dentro do Congresso. Com isso se criou um passivo de insatisfações, de raivas e de recalques muito grandes que vêm desembocar agora no segundo mandato. Ela não consegue eleger seu candidato (Arlindo Chinaglia, derrotado por Eduardo Cunha na Câmara), está sendo emparedada pelo Congresso que impõe sua agenda.
Mas a presidente tem 39 ministros, com representantes desses partidos neles. O que não funciona?
Os ministérios, muitas vezes, são ministérios vazios. Quem comanda a máquina ministerial não é o titular do partido que o ocupa. Recebe o ministério, mas não a caneta para administrar. E algumas vezes ela escolhe o ministro do partido, não é o partido que escolhe, o que gera tensão. E o terceiro ponto diz respeito à proporcionalidade não adequada ao tamanho dos partidos dentro do Congresso Nacional.
O fato central é que o PT nunca teve a noção exata do seu tamanho dentro da coalização e criou uma ideia de que o fato de ter a presidente daria uma supremacia muita maior do que deveria ter dentro do contexto de uma coalização. Quem deveria mandar é uma coalização dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma e Michel Temer.
Mas não foi sempre assim?
O PMDB demorou muito a perceber que tem muito mais poder do que ele exerce efetivamente. Só após a profunda irritação causada pelo primeiro mandato de Dilma é que o PMDB desperta para essa realidade. O Michel Temer deu o recado para Dilma: se não temos condições de participar estrategicamente do governo, por que então integramos a base?
Os parlamentares reclamam da falta de diálogo. Tem a ver com o fato de ela não ter tido mandatos políticos?
O fato de ser um não político não importa muito. Quando ela foi eleita pela primeira vez existia a tese: não é possível que Dilma, instruída por seu guru Lula e assessorada por Temer não possa fazer uma boa política. Ela errou em não aproveitar a grande experiência deles. No governo Lula, as emendas parlamentares seguiam uma regra de execução:100% para a base política e 50% para a oposição. No governo Dilma essa regra não foi aplicada.
O que acontece? Vai gerando insatisfação no baixo clero, que não tem acesso às grandes questões do país. Porque aquela emenda que afeta o interesse paroquial (dos deputados), a ponte, a escola, a obra do seu município, não é atendida. Dilma perde o controle do baixo clero e isso favorece a eleição do Eduardo Cunha. A eleição do Eduardo Cunha é produto da liderança dele sobre uma bancada maior que a do próprio PMDB e insatisfeita com o governo.
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Fonte: Veja - Ricardo Setti
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