Câmara derrota Cunha e deve enterrar reforma políticaNuma dura noite para o presidente da Câmara, partidos pulverizam votos e barram mudanças no sistema eleitoral e no financiamento das campanhas políticasPor: Marcela Mattos, de Brasília - Atualizado em
Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) durante essão para análise e discussão da Reforma Política - 26/05/2015(Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Foi uma noite atípica para Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Acostumado a vitórias que emparedaram o Palácio do Planalto e fizeram dele um
dos homens mais poderosos da República, o presidente da Câmara sofreu sua maior
derrota nesta terça-feira ao tentar votar trechos de uma emenda à Constituição
que pela primeira vez desde que chegou ao cargo envolvia interesses difusos de
partidos políticos - e não uma batalha contra o Palácio do Planalto.
Em duas votações consecutivas, o plenário da Casa
rejeitou o chamado "distritão" e barrou a inclusão na Constituição do
sistema de financiamento privado de campanhas eleitorais. O resultado do plenário
pode sepultar de vez a reforma política no país em tempo hábil de ser aplicada
já no ano que vem. Na prática, os deputados podem ter imposto um desfecho
melancólico ante o desejo levado às ruas nas manifestações de 2013 de que o
sistema político sofresse alguma transformação e se tornasse mais
representativo e transparente. A resposta da Câmara é que os deputados não
querem que nada mude.
O tamanho do revés do homem forte do Congresso
Nacional surpreendeu até mesmo líderes dos partidos, que não cogitavam a
rejeição ao financiamento misto das campanhas. Como só vão às urnas novamente
em 2018, houve "traições" em várias bancadas.
O atual modelo atual de financiamento que permite
doações de pessoas físicas e jurídicas para partidos políticos e candidatos deverá
agora ser alterado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria
contrária, só interrompida por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A
votação na Câmara, se não modificada nesta quarta, enfraquecerá qualquer ação
do Legislativo no sentido oposto ao que a corte decidir.
O trecho sobre o financiamento obteve o aval de 264
parlamentares -- 44 a menos do que o mínimo necessário. O financiamento
eleitoral voltará a ser discutido em plenário nesta quarta-feira. Se o
financiamento privado for rechaçado de vez, abrirá uma perigosa janela para o o
financiamento público das campanhas, cujo maior beneficiário seria o Partidos
dos Trabalhadores. A votação na Câmara era justamente uma tentativa do
Congresso Nacional para se antecipar ao resultado da votação na corte.
Mas não foi só: mais cedo, a Câmara impôs outra
derrota ao seu presidente. Numa votação que dividiu as bancadas tanto da base
governista como do bloco de oposição, o plenário barrou a implantação do
chamado "distritão", que mudaria o sistema eleitoral brasileiro para
pior. No "distritão", modelo adotado por países sem nenhuma tradição
democrática, como Afeganistão
e a Jordânia, e similar ao que o Brasil utilizava
até a década de 1940, os deputados mais votados seriam eleitos. É um modelo que
fortaleceria o personalismo nas urnas, enfraqueceria os partidos e encareceria
as campanhas. O resultado poderia ser, por exemplo, um Congresso Nacional
repleto de coronéis dos rincões do país e de figuras com forte apelo popular,
como as celebridades de televisão - não por acaso, a emenda acabou batizada no
plenário de "reforma Tiririca". As defesas do "distritão"
feitas no plenário foram também um primor de populismo e condescendência:
segundo os deputados, o povo compreenderia o sistema com facilidade e esta
seria uma de suas virtudes.
A Casa também derrubou propostas para mudar o atual
sistema eleitoral para os modelos de voto distrital, distrital misto e lista
fechada. Como nenhum deles prosperou, nesse ponto específico, o sistema
permanecerá inalterado.
Outros pontos -- Pelo cronograma acordado entre
Cunha e os líderes partidários, a Casa ainda deve votar outros pontos da
reforma política, como o fim da reeleição, duração dos mandatos, coincidência
das eleições, cota para mulheres e fim das coligações. Diante dos resultados de
hoje, dificilmente algo deve avançar.
Estão em pauta outras três emendas. O primeiro item
pode até retomar o tema da doação empresarial: o texto permite o financiamento
misto, com doações públicas e privadas, mas com o recurso direcionado apenas
aos partidos, que ficariam encarregados de fazer o repasse aos candidatos. Na
avaliação de Eduardo Cunha, esse foi o principal ponto de discordância da
matéria. "Se houvesse a previsão apenas para partidos, o texto teria apoio.
Consegui visualizar isso e acho que pode ser corrigido amanhã", disse.
Cunha afirmou que a conclusão da primeira rodada de
votação da reforma política mostra que a Câmara "não quer mudar
nada". Antes, o plenário rechaçou todas as mudanças propostas ao sistema eleitoral.
"A Casa está rejeitando qualquer coisa que seja de mudança. Acho que não
vai mudar absolutamente nada, nem fim de reeleição, nem coincidência de
mandatos, nada", disse o peemedebista. Ele mandou um recado: "Vai
cair a máscara daqueles que dizem querer a reforma política e na hora não
votam. A hipocrisia vai acabar".
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