Não sabia que Marisa visitou tríplex, diz Lula em depoimento
DE SÃO PAULO
DE BRASÍLIA
10/05/2017 20h14 - Atualizado às 21h22 Folha de São Paulo
O juiz Sergio Moro deu início à audiência, na tarde desta quarta (10), em Curitiba, assegurando que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iria ser "tratado com o máximo respeito, como qualquer acusado, igualmente pela condição do cargo que o senhor ocupou no passado, o senhor ex-presidente pode ficar absolutamente tranquilo quanto a isso".
Enquanto Lula apenas assentia com a cabeça, Moro procurou "tranquilizar" Lula que ele não teria possibilidade de ser preso no depoimento.
Lula foi ouvido por quase cinco horas em audiência fechada. Nesse processo, em que é réu, o ex-presidente é acusado de receber propina da empreiteira OAS em troca de benefícios à empresa na Petrobras nos governos petistas.
"Queria deixar claro que, em que pesem algumas alegações nesse sentido, de minha parte não tenho qualquer desavença pessoal em relação ao senhor ex-presidente, certo? O que vai determinar ao final vão ser as provas que vão ser colecionadas e a lei. Também vamos deixar claro que quem faz a acusação nesse processo é o Ministério Público, não o juiz", afirmou Moro.
Em resposta à fala de Moro sobre eventuais "perguntas difíceis", que não consistirão em afirmações. "Não tem pergunta difícil, doutor, quando alguém quer falar a verdade, não tem pergunta difícil", interveio o ex-presidente.
No depoimento, o ex-presidente foi questionado por Moro sobre troca de mensagens de executivos da OAS que tratam das reformas no sítio e no tríplex. "Eu não sou obrigado a responder mensagens de duas pessoas alheias a mim", disse Lula, em tom de irritação. "Eu vim aqui preparado para responder tudo o que perguntarem e pra não ficar nervoso. Se tem uma coisa que eu me preparei é pra não ficar nervoso".
O petista afirmou só ter tratado do tríplex em Guarujá com Léo Pinheiro, da OAS, em uma visita do sócio da empresa ao Instituto Lula e no dia em que o petista foi visitar o prédio. "Nunca mais tratei de tríplex, nem de 'quatruplex'", disse.
O ex-presidente também foi questionado sobre contatos telefônicos entre Pinheiro e Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, que antecederam visita do sócio da OAS à entidade que leva o nome do petista.
Sobre os contatos, disse que "os dois são vivos, pode perguntar para eles", rindo. O petista afirmou ainda que "o Léo não tratava de tríplex, o Léo tratava de empresa, o Léo tratava de economia".
Moro perguntou se houve alguma conversa sobre o preço do apartamento com o Léo Pinheiro.
"Houve. Em 2013, no Instituto, estava comigo o companheiro Paulo Okamotto, e o Léo começou a mostrar a ideia do apartamento. O Okamotto perguntou quanto era o metro quadrado, e o Léo respondeu um valor que eu não me lembro qual, e o Okamotto só falou: 'você sabe, Léo, que o preço tem que ser o de mercado, mas eu sou contra o Lula comprar'. Foi só isso"
O juiz citou o valor que a OAS teria desembolsado com as reformas supostamente feitas para Lula no apartamento —segundo a investigação, Lula foi beneficiado com R$ 2,3 milhões com a reserva do imóvel e a obra. Perguntou se ele alguma vez conversou sobre isso.
"Não. Até porque nunca falei de reforma. Como eu considero esse processo ilegítimo e a denúncia uma farsa, eu estou aqui em respeito à lei, à nossa constituição, mas com muitas ressalvas aos procuradores da Lava Jato", disse Lula.
VISITAS AO TRÍPLEX
Moro questionou Lula sobre uma visita ao tríplex da ex-primeira-dama Marisa Letícia, em agosto de 2014, época em que Lula diz que já havia desistido da compra do imóvel.
Lula disse: "Eu não sabia que tinha tido visita. Não sei o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente o que vai fazer."
O petista afirmou que Marisa esteve no apartamento uma segunda vez com o filho Fabio, mas que ele só soube depois. Não soube dizer quanto tempo depois veio a saber.
"Certamente ela ia dizer que eu não queria mais o apartamento, porque, quando fui ao apartamento, eu percebi que era praticamente inutilizável por mim pelo fato de eu ser, independentemente da minha vontade, uma figura pública e eu só poderia ir naquela praia ou segunda-feira ou Quarta-Feira de Cinzas", afirmou o ex-presidente.
Lula, então afirma que descartou imediatamente a compra do triplex, mas que sua mulher ainda tinha dúvidas. "Eu não ia ficar com o apartamento, mas a Dona Marisa ainda tinha dúvida se ia ficar para fazer negócio, ou não."
Moro perguntou se ela decidiu não ficar. "Não discutiu comigo mais", ele respondeu.
Lula afirmou que "não sei por que, mas não comuniquei" a Léo Pinheiro que não ia ficar com o apartamento.
O juiz questionou o petista sobre testemunhas que disseram que o apartamento estava sendo preparado para o ex-presidente. O advogado de Lula fez uma intervenção e pediu que Moro especificasse quais testemunhas. Lula, então, intervém: "Eu posso falar? Eu quero evitar que o senhor brigue muito com o meu advogado".
Moro respondeu: "É o seu advogado que está brigando, eu estou tentando fluir com a audiência". Lula e o advogado dão risada, em um momento de descontração.
Lula mencionou a morte de Marisa, em fevereiro. "Eu só queria, dr. Moro, pedir uma coisa: é muito difícil para mim toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender", afirma Lula.
"Eu não estou acusando ela de nada, senhor ex-presidente", respondeu o juiz.
"Eu sei que não, mas o sr. pergunta coisa, se eu vi, se eu não vi. É uma pena... E uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu", afirmou o petista.
'MÊS LULA''
Lula afirmou que este período será conhecido como "mês Lula".
"O que aconteceu nos últimos 30 dias vai passar para a história como o mês Lula. Porque foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia."
"O senhor entende que existe uma conspiração contra o senhor?", questiona Moro.
"Não, eu entendo e acompanho pela imprensa, que pessoas como Léo Pinheiro, que está já há algum tempo querendo fazer delação. Primeiro ele foi condenado a 23 anos de cadeia. Depois se mostra na televisão como se vive a vida de nababo dos delatores. [...] Delatar virou quase o alvará de soltura dessa gente. [...] O contexto está baseado num Power Point malfeito mentiroso da Operação Lava Jato", respondeu.
IRRITAÇÃO
O ex-presidente se irritou ao ser seguidamente questionado pela Procuradoria sobre se havia perguntado a João Vaccari Neto, ex-presidente do PT, se ele tinha recebido vantagens indevidas em nome do partido, conforme relataram delatores.
Inicialmente, Lula disse que não conversava de finanças do PT porque não integrava a direção do partido. Após insistências para responder se havia questionado Vaccari, disse: "Não importa se eu perguntei ou não. Ele sempre negou. Negou pela imprensa, negou publicamente". Depois, disse que "não interessa se eu perguntei ou não".
Como o procurador insistia na pergunta, Lula disse: "Para acabar com a nossa polêmica aqui, vamos dizer. Eu perguntei e ele disse que não. (...) Tá bem assim? Porque você precisava de qualquer jeito uma resposta e então eu estou dando a resposta. Ia ficar nesse trocadilho entre o procurador e um ex-presidente, então eu quero resolver isso. (...) Espero que não seja por essa resposta minha que eu seja condenado".
Após o fim das perguntas da Procuradoria, o ex-presidente pediu um intervalo antes de seguir para perguntas de advogados. "Vamos fazer um intervalo de dois minutos? Eu sou o único velhinho aqui, gente."
Assista:
IMPEACHMENT
Moro também perguntou a Lula sobre a nomeação de Paulo Roberto Costa para uma diretoria da Petrobras com o apoio do Partido Progressista.
"O presidente da República não toma conta de todos os cargos do governo, nem é possível. Se um presidente da República tem confiança, e quando ele compõe o ministério ele compõe com pessoas que ele confia, ele delega."
O ex-presidente falou que o contato com a base era constante. "Eu fazia reuniões sistemáticas com os líderes de partido. Se a presidente Dilma tivesse me seguido, não teria tido impeachment", disse Lula.
CRÍTICAS A MORO
Ao final de seu depoimento, Lula fez referência à famosa apresentação em Power Point feita pela força-tarefa da Lava Jato. "Estou sendo julgado pela construção de um Power Point mentiroso. Aquilo é ilação pura. Aquilo deve ter sido um ou alguns cidadãos, com todo respeito, que, desconhecendo a política, fizeram um Power Point porque já tinham a tese anterior de que o PT era uma organização criminosa e que o chefe era o Lula e que o Lula montou o governo pra roubar"
O petista fez uma declaração a Moro.
"Estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um político brasileiro já teve. Eu quando fui eleito, eu tinha um compromisso de fé. Eu me espelhava no [Lech] Walesa na Polônia, que depois de ter sido presidente tentou se reeleger e teve apenas 0,5%"
Lula conclui sua fala criticando Moro por decisões tomadas por ele, como o fato de ter sido alvo de condução coercitiva e o vazamento de gravações envolvendo sua mulher, Marisa.
"O senhor sem querer talvez entrou nesse processo, porque o vazamento de conversas da minha mulher e com meus filhos, foi o sr. que autorizou. Eu não tinha o direito de ter minha casa molestada sem que eu fosse intimidado para uma audiência, doutor. Ninguém nunca me convidou. De repente, eu vejo um pelotão da PF, levantaram até um colchão da minha casa achando que eu tinha dinheiro, doutor", disse Lula.
Ele também fez também um alerta a Moro:
"Eu queria lhe avisar uma coisa, esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao sr. vão ser muito mais fortes", afirmou.
Moro respondeu: "Infelizmente, eu já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor. Então, padeço dos mesmos males em certa medida", declarou o juiz.
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