A deslegitimação de um sistema político
Estava tudo planejado. Nestor Cerveró conseguiria um habeas corpus, atravessaria a fronteira com o Paraguai, tomaria um jatinho Falcon e desceria na Espanha. Deu errado porque Bernardo, o filho do ex-diretor da Petrobras, gravou a trama do senador Delcídio do Amaral e a narrativa de sua conversa com o banqueiro André Esteves. Depois do estouro, estava tudo combinado. Em votação secreta, o plenário do Senado mandaria a Justiça soltar Delcídio, ou talvez o transferisse para prisão domiciliar num apartamento funcional de Brasília. Deu errado porque a conta política ficou cara e sobretudo porque o ministro Luiz Fachin ordenou que a votação fosse aberta.
A Operação Lava-Jato, com seus desdobramentos, está chegando ao cenário descrito há 11 anos pelo juiz Sérgio Moro num artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana. Ela deslegitimou um sistema político corrupto.
É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da Mãos Limpas, o Partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama, parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.
A Lava-Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de “acordões” e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava-Jato, a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.
Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em “delator”. Lula diz que Delcídio fez uma “grande burrada”, mas não explica qual foi a “burrada”.
Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.
A utilidade da memória de Marcos Valério
Faca nos dentes
O voto da ministra Cármen Lúcia na reunião do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão de Delcídio do Amaral e André Esteves — “o escárnio venceu o cinismo” — mostra que ela está com a faca nos dentes.
Em setembro do ano que vem, Cármen Lúcia assume a presidência do Supremo, com mandato de dois anos.
A rota de Arida
A sorte foi malvada com o economista Persio Arida quando ele escolheu os banqueiros com quem se associou.
Depois de ter presidido o BNDES e o Banco Central, Arida foi para a iniciativa privada. Ligou-se ao banco Opportunity, de Daniel Dantas, o poderoso mago da privataria tucana. Arida deixou o Opportunity em 1999. Em 2004, Daniel Dantas foi preso durante a espetaculosa e malfadada Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, que mais tarde viria a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por vazar informações sigilosas.
Em 2008, Arida associou-se a André Esteves no BTG Pactual. Com a prisão do novo mago, assumiu o comando do banco.
Banqueiros
No século passado, o banqueiro Walther Moreira Salles comprou uma fazenda em Mato Grosso. Tinha como sócios os irmãos David e Nelson Rockefeller. Iam às matas da Bodoquena para caçar onças. David completou 100 anos e é um ícone da finança mundial. Nelson foi vice-presidente dos Estados Unidos.
Neste século, o banqueiro André Esteves também comprou a fazenda Cristo, no Pantanal de Mato Grosso. Ela foi vendida pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Lula gostava de pescar na Cristo Rei. Esteves e Bumlai estão encarcerados.
Não se fazem mais banqueiros como antigamente.
As investigações da Lava-Jato indicam que as petrorroubalheiras e o mensalão compõem uma história só. Por exemplo: o banco Schahin emprestou R$ 12 milhões a José Carlos Bumlai em 2004, antes que a palavra “mensalão” entrasse no vocabulário político nacional. O dinheiro, como o dos empréstimos tomados pelo publicitário Marcos Valério, destinava-se ao PT. Na sua fúria arrecadadora, o comissariado ainda operava com personagens de segunda, mas já vendia facilidades na Petrobras. A Schahin levou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda.
É possível que Marcos Valério reapareça. Ele está na penitenciária de Nova Contagem (MG), condenado a 37 anos de prisão. Já pagou três. Vive só numa cela e dedica-se a pintar quadros medonhos.
Se ele tiver algo a contar, com provas, poderá negociar um acordo com o Ministério Público. Caso a Viúva revele interesse na sua memória, Marcos Valério pode conseguir uma passagem para o regime semiaberto.
Coincidências
Lula é amigo de José Carlos Bumlai, pai de Fernando, marido de Neca, filha de Pedro Chaves dos Santos, o suplente que deverá assumir a cadeira de senador de Delcídio do Amaral, que discutiu o resgate de Nestor Cerveró com André Esteves, que comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, que tomou R$ 12 milhões no banco de Salim Schahin, cuja empreiteira associou-se à Sete Brasil, presidida por João Carlos Ferraz, que era amigo de Lula.
Trinca
É difícil acreditar que Delcídio e o banqueiro André Esteves estivessem numa operação solo.
Esteves não entrou na aventura da Sete Brasil porque estava distraído. Delcídio, por sua vez, sempre foi um suavizador de encrencas petistas.
Em 2006, ele contou a Lula que Marcos Valério, o tesoureiro do mensalão, ameaçava fechar um acordo com o Ministério Público. Lula ficou calado. Delcídio voltou ao assunto, e desta vez Nosso Guia falou: “Manda ele falar com o Okamotto”.
Paulo Okamotto é o fiel escudeiro de Lula.
Vem mais
Em setembro, o empresário Fernando de Moura, amigo do comissário José Dirceu, passou a colaborar com as autoridades. Seus depoimentos deverão provocar o aparecimento de um novo colaborador que teria se prontificado a contar o que sabe.
O companheiro sabe bastante. Tinha uma empresa de construção em São Paulo e escritório vizinho a uma sede do PT. Juntou-se a um projeto de gasoduto da Petrobras e associou-se a uma grande empreiteira. Como não podia deixar de ser, foi chamado pela Sete Brasil para operar navios-sonda.
Seria um caso exemplar de colaboração oferecida.
Fonte: Elio Gaspari - Globo
Estava tudo planejado. Nestor Cerveró conseguiria um habeas corpus, atravessaria a fronteira com o Paraguai, tomaria um jatinho Falcon e desceria na Espanha. Deu errado porque Bernardo, o filho do ex-diretor da Petrobras, gravou a trama do senador Delcídio do Amaral e a narrativa de sua conversa com o banqueiro André Esteves. Depois do estouro, estava tudo combinado. Em votação secreta, o plenário do Senado mandaria a Justiça soltar Delcídio, ou talvez o transferisse para prisão domiciliar num apartamento funcional de Brasília. Deu errado porque a conta política ficou cara e sobretudo porque o ministro Luiz Fachin ordenou que a votação fosse aberta.
A Operação Lava-Jato, com seus desdobramentos, está chegando ao cenário descrito há 11 anos pelo juiz Sérgio Moro num artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana. Ela deslegitimou um sistema político corrupto.
É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da Mãos Limpas, o Partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama, parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.
A Lava-Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de “acordões” e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava-Jato, a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.
Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em “delator”. Lula diz que Delcídio fez uma “grande burrada”, mas não explica qual foi a “burrada”.
Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.
A utilidade da memória de Marcos Valério
Faca nos dentes
O voto da ministra Cármen Lúcia na reunião do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão de Delcídio do Amaral e André Esteves — “o escárnio venceu o cinismo” — mostra que ela está com a faca nos dentes.
Em setembro do ano que vem, Cármen Lúcia assume a presidência do Supremo, com mandato de dois anos.
A rota de Arida
A sorte foi malvada com o economista Persio Arida quando ele escolheu os banqueiros com quem se associou.
Depois de ter presidido o BNDES e o Banco Central, Arida foi para a iniciativa privada. Ligou-se ao banco Opportunity, de Daniel Dantas, o poderoso mago da privataria tucana. Arida deixou o Opportunity em 1999. Em 2004, Daniel Dantas foi preso durante a espetaculosa e malfadada Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, que mais tarde viria a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por vazar informações sigilosas.
Em 2008, Arida associou-se a André Esteves no BTG Pactual. Com a prisão do novo mago, assumiu o comando do banco.
Banqueiros
No século passado, o banqueiro Walther Moreira Salles comprou uma fazenda em Mato Grosso. Tinha como sócios os irmãos David e Nelson Rockefeller. Iam às matas da Bodoquena para caçar onças. David completou 100 anos e é um ícone da finança mundial. Nelson foi vice-presidente dos Estados Unidos.
Neste século, o banqueiro André Esteves também comprou a fazenda Cristo, no Pantanal de Mato Grosso. Ela foi vendida pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Lula gostava de pescar na Cristo Rei. Esteves e Bumlai estão encarcerados.
Não se fazem mais banqueiros como antigamente.
As investigações da Lava-Jato indicam que as petrorroubalheiras e o mensalão compõem uma história só. Por exemplo: o banco Schahin emprestou R$ 12 milhões a José Carlos Bumlai em 2004, antes que a palavra “mensalão” entrasse no vocabulário político nacional. O dinheiro, como o dos empréstimos tomados pelo publicitário Marcos Valério, destinava-se ao PT. Na sua fúria arrecadadora, o comissariado ainda operava com personagens de segunda, mas já vendia facilidades na Petrobras. A Schahin levou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda.
É possível que Marcos Valério reapareça. Ele está na penitenciária de Nova Contagem (MG), condenado a 37 anos de prisão. Já pagou três. Vive só numa cela e dedica-se a pintar quadros medonhos.
Se ele tiver algo a contar, com provas, poderá negociar um acordo com o Ministério Público. Caso a Viúva revele interesse na sua memória, Marcos Valério pode conseguir uma passagem para o regime semiaberto.
Coincidências
Lula é amigo de José Carlos Bumlai, pai de Fernando, marido de Neca, filha de Pedro Chaves dos Santos, o suplente que deverá assumir a cadeira de senador de Delcídio do Amaral, que discutiu o resgate de Nestor Cerveró com André Esteves, que comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, que tomou R$ 12 milhões no banco de Salim Schahin, cuja empreiteira associou-se à Sete Brasil, presidida por João Carlos Ferraz, que era amigo de Lula.
Trinca
É difícil acreditar que Delcídio e o banqueiro André Esteves estivessem numa operação solo.
Esteves não entrou na aventura da Sete Brasil porque estava distraído. Delcídio, por sua vez, sempre foi um suavizador de encrencas petistas.
Em 2006, ele contou a Lula que Marcos Valério, o tesoureiro do mensalão, ameaçava fechar um acordo com o Ministério Público. Lula ficou calado. Delcídio voltou ao assunto, e desta vez Nosso Guia falou: “Manda ele falar com o Okamotto”.
Paulo Okamotto é o fiel escudeiro de Lula.
Vem mais
Em setembro, o empresário Fernando de Moura, amigo do comissário José Dirceu, passou a colaborar com as autoridades. Seus depoimentos deverão provocar o aparecimento de um novo colaborador que teria se prontificado a contar o que sabe.
O companheiro sabe bastante. Tinha uma empresa de construção em São Paulo e escritório vizinho a uma sede do PT. Juntou-se a um projeto de gasoduto da Petrobras e associou-se a uma grande empreiteira. Como não podia deixar de ser, foi chamado pela Sete Brasil para operar navios-sonda.
Seria um caso exemplar de colaboração oferecida.
Fonte: Elio Gaspari - Globo
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