Entrevista. Joaquim Levy, ministro da Fazenda
O ministro da Fazenda praticamente admite sua saída ao falar do que considera seus maiores avanços
'Parece que o governo tem medo de reforma'
Adriana Fernandes
18 Dezembro 2015 | 03h 01
No fim de um dia particularmente pródigo em rumores, no qual foi dado como certa a sua posição de demissionário, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, falou nesta quinta-feira à noite, por telefone, ao Estado. Sem esconder o cansaço na voz, o ministro admitiu estar deixando o governo Dilma Rousseff, embora tenha evitado fazer a afirmação com todas as letras.
Referiu-se, durante todo o tempo da entrevista, ao governo como se já estivesse fora dele. "O governo só fala do fiscal. Por quê? Eu não sei. Nunca entendi. Parece que tem medo de reforma, não quer nenhuma reforma", protestou. Em menos de meia hora ele discorreu sobre o que considerou seus maiores avanços, como a retomada da credibilidade econômica. Disse ter conseguido evitar mais "pedaladas" e brincou, dizendo que agora o seu caminho "é de paz interior".
Por diversas vezes Levy referiu-se ao "final do ano legislativo", como se isso marcasse o fim de sua missão no governo. E sobre a dificuldade de Dilma encontrar um nome para substituí-lo, foi sucinto. "Sempre se encontra um sucessor." À pergunta mais direta: para onde o senhor vai agora, ele respondeu com o tom sarcástico que é uma de suas marcas: "Para o Hotel Brisas".
A seguir, a entrevista do ministro:
A presidente pediu para o senhor ficar no governo?
Não falei com ela hoje.
O sr. está deixando o governo? Como foi essa questão no CMN?
Havia uma coisa na época do (Pedro) Malan (ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso) e que recuperei que é assim: tudo o que é dito aqui, nesta sala, seja de assuntos oficiais, assuntos pessoais, inclusive brincadeiras, chistes, elogios e outros comentários, não sai desta sala. Então, não posso comentar sobre o que alguém tenha dito ou deixado de dizer sobre o que aconteceu no CMN (Conselho Monetário Nacional). Nada do que acontece no CMN é discutível. Ali é um ambiente em que tudo está como informação privilegiada. Por isso mesmo passamos a fazer as comunicações do CMN depois de o mercado (financeiro) fechar. Porque tudo o que está dentro do CMN é considerado assunto privilegiado. Então, não tenho como confirmar o que alguém teria dito ou deixado de dizer.
Mas o sr. está deixando o governo? A presidente estaria só aguardando a indicação de um novo ministro.
Deixa eu dizer uma coisa: o ano legislativo se encerrou. O governo conseguiu passar as primeiras peças. Infelizmente a 694 (medida provisória que reduz incentivos fiscais) não passou. Esta é minha maior fonte de preocupação. Porque infelizmente o governo não conseguiu reunir condições de passar medidas que eu reputo essenciais, medidas que têm duas características. Uma: representariam o ingresso de R$ 10 bilhões em receita. Dois: tudo o que está ali tem um caráter de reforma muito importante, de melhorar a distribuição da carga fiscal. Tanto na questão de JCP (juros sobre capital próprio) quanto depois, na tributação dos instrumentos financeiros. Tem caráter de melhorar a distribuição da carga tributária, com maior justiça tributária, porque elimina isenções para instrumentos de alta renda, mais um dos legados da nova matriz econômica. Mas, infelizmente, ficou pro final, a votação foi se arrastando, tem uma porção de coisa acontecendo, tem a questão política. Agora não vai ter sessão na semana que vem. O setor financeiro inclusive tinha apoiado, sabendo que talvez acontecesse, talvez não. Fizemos um último esforço ontem, mas não se conseguiu reunir as condições de apoio de voto no Congresso. Vão faltar R$ 10 bilhões. É uma reforma que ajudaria a aumentar a resistência da política monetária, favorecendo os instrumentos pré-fixados, que é como é exercida na maior parte dos países do mundo.
Ministro...
Nunca entendi porque o governo só fala de fiscal. Desde que entrei, até antes, sempre falei de um conjunto de reformas para mudar a economia. Se não mudar a economia, vamos continuar patinando. Então, tem um conjunto de reformas, mas o governo nunca falou dessas reformas. O governo só fala do fiscal. Por quê? Eu não sei. Nunca entendi. Parece que tem medo de reforma, não quer nenhuma reforma. A única que fez foi a de 85/95 (alteração nas regras da Previdência). A única reforma que fez foi acabar com o fator previdenciário.
Mas o sr. não é parte desse governo?
Porque as reformas... PIS/Cofins, o próprio ICMS... tem uma série de reformas. Eu estou dizendo que nunca entendi porque esse governo só fala de fiscal. Fez um pouquinho de reforma no começo do ano, fez aquela reforma do seguro desemprego, que estava há três para ser feita e eu tive que sentar e escrever a reforma; e a reforma da Previdência foi uma contrarreforma, porque entrou o 85/95 pela janela. Mas, tudo bem. As outras reformas de que eu venho falando.... tem uma situação política que não dá condições. Então ficou só o fiscal porque o fiscal é mais para sobrevivência. Ao contrário do que as pessoas falam, eu nunca fiquei só no fiscal, mas nas reformas.
Sempre houve críticas à sua obsessão pelo fiscal e pelos cortes.
Eu não sei porque as pessoas repetem isso. Qualquer pessoa que olhe o momento e veja do que estou falando... eu falo de PPP+ , de reformas do sistema financeiro, das debêntures de infraestrutura com garantias, eu falo de reforma de PIS e Cofins, eu falo de quinhentas mil coisas. E não falo. Eu faço, eu construo. Eu defini essas coisas, propus projetos. Não é conversa. O projeto do ICMS está feito, a lei da repatriação está votada, a gente construiu com o Senado, foi votada apesar de todas as confusões com o Eduardo Cunha (presidente da Câmara, investigado na Lava Jato), porque a gente tinha construído aquilo com os melhores advogados, com reconhecimento internacional e a quatro mãos com o Senado. A PEC dos fundos (constitucionais para a reforma do ICMS) foi apresentada. A resolução que muda alíquotas do ICMS só não foi votada porque alguém derrubou a sessão no dia, antes do recesso no primeiro semestre e, depois, no segundo semestre foi aquela confusão. O que está na MP 964 é uma coisa que muda o sistema de poupança, aumenta a eficiência da política monetária. No último CMN eu mudei aquela reforma do sistema da previdência aberta.
O governo perdeu a MP 694 mesmo com o apoio da base.
Eu não sei o que ocorreu porque eu não estava lá. Vai fazer falta. Semana que vem não tem sessão do Senado. Não vai poder ser votada. São R$ 10 bilhões. Tem Juros sobre Capital Próprio, essa questão do IR daqueles produtos que vai IR ser mais progressivo, uma reforma de melhor distribuição da carga tributária, uma reforma que harmoniza todos os instrumentos do sistema financeiro porque todas as taxas tinham a mesma regra. Agora, como tem anualidade, não dá para fazer em janeiro e fevereiro. Não sei quando será feito. Dava estímulo para sair do CDI, o que aumenta dramaticamente o poder da política monetária permitindo que abaixar os juros.
Qual o seu caminho a partir de agora?
Meu caminho é de paz interior. Estou tranquilo. Hoje o presidente Tombini estava falando como o setor externo se recuperou. Porque a gente teve o realinhamento do câmbio. Você viu como o setor elétrico está se recuperando, porque teve o realinhamento dos preços do setor. Mês passado teve o leilão, de R$ 17 bilhões, sem precisar tomar tudo emprestado do BNDES. Esta é uma reforma. Fazer uma privatização, uma outorga. sem ter que tomar dinheiro do próprio governo para pagar o governo, além de mostrar que você não precisa fazer tudo dependendo 100% do BNDES, você cria uma situação na qual eu evitei uma pedalada. Porque é dinheiro de verdade. É um dinheiro que eu tirei
Essa é sua maior marca?
Não tem maior. Se bem que aqui o bacana foi a parceria com o MME (Ministério das Minas e Energia). A gente conseguiu evitar também que tivesse apagão. Todo mundo esquece. Todo mundo achava que esse ano ia ter apagão. Do mesmo jeito que todo mundo está achando que ano que vem vai ser horroroso, todo mundo achava que esse ano ia ter apagão. Não teve. A mensagem é que as reformas que a gente fez já mostraram que têm resultado. É obvio que durante o ano a crise política teve um impacto danado na economia.
O único que fez reformas no governo foi o sr?
Não estou discutindo o que os outros fizeram. Na área econômica, estou dizendo que eu não entendo porque o governo só fala de fiscal. Isso é um fato e não é a primeira vez que digo. Eu sempre falei de reformas.
Porque a presidente não fez reformas?
Eu não sei, gente! Eu não posso falar pelos outros. Tem questões políticas. Ela está sob pressão.
O sr não acha que fica difícil permanecer no cargo numa situação de demissionário?
O ano legislativo se encerrou e, realmente, todas as reformas que eu tinha prometido eu entreguei.
Quando o sr sai?
Essa é uma pergunta … Eu diria que o final do ano legislativo amplia minhas opções.
Em que sentido?
No sentido que você me perguntou.
Então o sr está saindo? Já cumpriu sua missão?
Eu acho que ajudei a construir mudanças que já estão tendo efeito e vão continuar tendo efeito. São mudanças profundas, importantes, que vão ajudar o Brasil.
O sr vai esperar até que a presidente escolha novo ministro?
Eu acho que sempre se encontra um sucessor. Eu repito o que te falei: o final do ano legislativo amplia as opções.
O sr vai para onde?
Eu vou para o Hotel Brisas.
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