Como – e por que – Michel Temer entregou a CGU para Renan Calheiros
Em troca de apoio para seu pacote econômico no Senado, o presidente interino permitiu que Renan indicasse o ministro de um dos mais importantes órgãos de combate à corrupção
Em seu primeiro ato de governo, o presidente interino Michel Temer efetuou, entre outras medidas de reorganização administrativa, a mudança do nome da Controladoria-Geral da União (CGU) para Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Nomeou o consultor legislativo Fabiano Silveira, membro do Conselho Nacional de Justiça, para o cargo.
A mudança de nome da CGU foi imediatamente – e continua sendo –rechaçada pelos funcionários do órgão e alguns acadêmicos. O argumento é que o fim da CGU como órgão de assessoramento da presidência implicaria menos autonomia. Mas a CGU nunca teve autonomia formal como, por exemplo, o Ministério Público tem. Seu presidente sempre foi nomeado pelo presidente e seu orçamento sempre foi determinado pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Mais grave do que a mudança de nome é a indicação de Fabiano Silveira para dirigir o ministério.
O programa “Fantástico” mostrou ontem gravações de Sérgio Machado (presidente da Transpetro de 2003 a 2015, por indicação de Renan Calheiros) com o próprio Renan, Bruno Mendes [ou outro sobrenome] (advogado e ex-assessor de Renan) e Fabiano Silveira (consultor legislativo e, àquela época, membro do Conselho Nacional de Justiça). Era 24 de fevereiro deste ano e estavam reunidos na casa de Renan Calheiros.
A certa altura, o presidente do Senado diz estar preocupado com um dos inquéritos do Supremo Tribunal Federal que o investiga por receber propina em forma de doações de empresas beneficiadas por licitações na Transpetro. A denúncia foi feita nas delações premiadas de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. O montante: R$ 400 mil. Renan refere-se a um recibo que não pode ser descoberto. “Cuidado, Fabiano. Esse negócio de recibo me preocupa pra caralho!”, afirma o presidente do Senado.
Fabiano Silveira aconselha Renan a não entregar sua versão dos fatos ao Procurador-Geral da República, pois isso daria aos procuradores condições para rebater “detalhes” dos quais estes ainda não teriam conhecimento. Em outra gravação, Machado e Calheiros comentam que Fabiano sonda integrantes da Lava Jato a respeito do andamento das investigações.
Suspeita-se também que Silveira foi indicado para o cargo com o intuito de firmar, com o Tribunal de Contas da União, um novo marco jurídico para regular os acordos de leniência das empresas. (E tambémconcluir dez desses acordos iniciados no governo Dilma.)
Vale citar, na íntegra, um parágrafo publicado pelos repórteres Adriano Ceolin e Fábio Fabrini , de “O Estado de S. Paulo”, há quinze dias: “A indicação de Silveira partiu do ministro do Planejamento, o senador Romero Jucá, um dos investigados na Lava Jato. Conforme o ‘Estado’ apurou, uma das razões da escolha foi ter bom trânsito no TCU. A nomeação contou com o apoio de dois ministros da corte de contas: Vital do Rêgo (ex-senador do PMDB-PB) e Bruno Dantas, que foi seu colega na Consultoria do Senado. Silveira também tem boa relação com os ministros Walton Alencar Rodrigues e Raimundo Carreiro, do TCU.”
Segundo o mesmo texto, Fabiano Silveira teria como tarefa principal, nas próximas semanas, elaborar esta nova medida para regulamentar os acordos de leniência junto com o TCU. E olhem só de quem a nomeação obteve apoio: Vital do Rêgo (“com serviços prestados ao governo na CPI da Petrobras”) e Bruno Dantas (que está no TCU “sob as benções de José Sarney e Renan Calheiros”).
Mesmo antes da divulgação das gravações, a vida de Silveira no ministério estava complicadíssima. De acordo com dois funcionários que pedem anonimato, Hamilton Cruz, Secretário de Transparência e Prevenção à Corrupção (DAS-5), saiu do seu cargo de confiança após reunião emocionada com cerca de sessenta funcionários, protestando contra a nomeação de Silveira. (Cruz foi acusado de segurar denúncia de corrupção na Petrobras para depois das eleições presidenciais de 2014.)
Silveira lida também com a oposição de todos os chefes estaduais da CGU. A maioria já pediu, hoje, afastamento do cargo. Ao contrário da maioria das demais agências governamentais, as coordenadorias estaduais da CGU não são distribuídas entre partidos políticos. São ocupadas por funcionários de carreira.
Em recente teleconferência com os chefes estaduais, o ministro sugeriu dar a todos os chefes que recebem a gratificação DAS-2 (cerca de R$ 1,800) um aumento para a gratificação DAS-4 (cerca de R$ 5,000). Os chefes dos seguintes estados – Acre, Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins – poderiam ter se seduzido com a oferta, mas não funcionou.
Para completar, assessores de Renan Calheiros no Senado Federal estão prestes a ser nomeados para cargos-chave na ex-CGU. Márcio Tancredi e Claudia Tavares, respectivamente assessor legislativo e assessora de imprensa, serão secretário-executivo e secretária de comunicação do novo ministério.Ambos são funcionários do Senado Federal.
As gravações de Sérgio Machado mostram que o pendor de Michel Temer pelo combate à corrupção era todo “cheap talk”. Na definição do economista Joseph Farrell, trata-se de comunicação sem custo, sem vínculo (ou seja, não limita escolhas estratégicas…como a de nomear investigados e amigos de investigados para o ministério) e sem verificação possível por terceiros.
Não fossem os áudios, Temer poderia continuar na mesma toada de dizer “não vamos interferir nas investigações da Lava Jato” e desmentir quaisquer sinalizações neste sentido. Mas agora a comunicação mudou de natureza: é vinculante e verificável.
Caso o presidente demita Fabiano Silveira, terá rompido o acordo com Renan Calheiros. Em troca da influência deste em uma das principais agências de combate à corrupção do país, Temer espera a condução tranquila de seu pacote econômico pelo Senado Federal. Semana passada, Renan Calheiros cumpriu uma etapa importante.
Vemos, agora, as entranhas deste acordo ofensivo a qualquer cidadão decente.
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