'TCU deve
quebrar tradição em nome da moralidade', diz procurador sobre Cedraz
Julio
Marcelo de Oliveira explica por que se posicionou contra a recondução do atual
presidente da corte de contas. Eleição ocorre nesta quarta-feira
Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do TCU(Heitor Feitosa/VEJA.com)
Em
uma atitude pouco usual, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal
de Contas da União (TCU), Julio Marcelo de Oliveira, resolveu tomar partido nas
eleições para presidência da corte, que ocorrem nesta quarta-feira. Desde a
semana passada, o procurador vem usando sua página pessoal no Facebook para
questionar a legitimidade da recondução do ministro Aroldo Cedraz à presidência
do tribunal. O filho do ministro, Tiago, foi citado em depoimentos do empresário Ricardo Pessoa, dono
da UTC Engenharia e um dos delatores da Operação Lava Jato. Segundo Pessoa,
Tiago recebia 50.000 reais mensais para repassar à empreiteira informações de
seu interesse na corte de contas. Na rede social, Oliveira afirma que "os
envolvidos, direta ou indiretamente, na denúncia constante da colaboração
premiada devem ficar afastados da relatoria e participação nos julgamentos dos
processos relacionados com a operação Lava Jato" e que "a condução da
Casa deve recair sobre os membros que não estão envolvidos nas denúncias ainda
sob investigação". Na entrevista a seguir, o procurador explica os motivos
que o levaram a se posicionar e fala das dificuldades do TCU para prosseguir
nas apurações da Lava Jato.
Por que o senhor adotou uma postura pública contra
a recondução do ministro Aroldo Cedraz à presidência do Tribunal de Contas da
União? Nunca houve uma circunstância em que o ministro no
exercício da presidência tenha sido citado em fatos tão graves como esses da
Lava Jato. Em delação premiada, o presidente da UTC informou ter pago um milhão
de reais por uma decisão do tribunal na obra de Angra 3 e ainda afirmou que
pagava 50.000 reais por mês a Tiago Cedraz. São denúncias muito graves, que
colocam sob suspeita a idoneidade das decisões do tribunal. A legitimidade do
TCU está no trabalho dos auditores, dos ministros, e do ministério público que
atuam no órgão. O trabalho precisa ser técnico e, se não for, o tribunal perde
sua credibilidade.
Em um texto, compartilhado em sua página pessoal no
Facebook, o senhor questiona o papel do Aroldo Cedraz nas investigações do TCU
sobre a Lava Jato. Por que? A mobilização da força tarefa no TCU para
investigar a Lava Jato está muito aquém do que deveria. A quem compete alocar
servidores entre as diversas atividades do TCU? Ao seu presidente. A quem
compete definir o que é prioritário? Ao seu presidente. A priorização não está
adequada. No Tribunal, temos apenas doze auditores dedicados a Lava Jato, num
grupo total de 1500 auditores. A Polícia Federal possui quarenta agentes e
peritos dedicados à Lava Jato. Já no Ministério Público Federal são doze
procuradores, fora os funcionários da instituição. Você pode imaginar como
esses doze auditores do TCU vão dar conta de todos esses processos envolvendo
bilhões de reais em um prazo minimamente aceitável? É impossível. Não se pode
priorizar processos de tomada de 50.000 reais ou 100.000 reais e deixar para
depois processos de bilhões, como esses da Lava Jato.
Mas o senhor acredita que os outros dez ministros,
que são responsáveis pela eleição, estão dispostos a não reconduzir Aroldo
Cedraz? Acredito que os ministros da casa estão preparados
para responder esse desafio. Quando os problemas se apresentam, temos que ter a
coragem de enfrentá-los e resolvê-los. Não é fingindo que os problemas não
existem que a gente vai resolver. Eu tenho a esperança que haja uma
sensibilização dos ministros, no sentido de perceber que a gravidade da
suspeição recai hoje sobre a administração como um todo. Eles vão precisar
quebrar uma tradição em nome de um princípio muito maior que é a moralidade da
administração pública e da credibilidade dessa instituição.
Qual essa tradição que precisa ser quebrada? O
ministro mais antigo que ainda não foi presidente do tribunal é eleito por um
ano e a prática é que o ministro seja reconduzido por mais um ano. Ou seja,
geralmente exercem a presidência por dois anos e a tradição diria que o
ministro Aroldo Cedraz seria reconduzido agora. O voto também é secreto e apenas
os ministros podem votar. De novo: eu tenho esperança que haja uma
sensibilização dos ministros, no sentido de perceber que a gravidade da
suspeição do presidente recai hoje também sobre a administração de todo o TCU.
Qual a participação do TCU na Lava Jato? Há
uma relação de cooperação com a Justiça Federal e o Ministério Público. Todos
os elementos que o TCU identificou em suas auditorias, antes e depois da Lava
Jato, foram compartilhados e fornecidos para a operação. Da mesma forma, as
provas colhidas na investigação criminal, e que tiveram autorização do juiz
Sergio Moro, foram compartilhadas conosco. Então, estamos falando de um papel
institucional alimentando outras instituições com informações relevantes que
permitirão conhecer a verdade e dar combate efetivo às irregularidades que
foram identificadas. Por isso, é importante que o TCU possa estar adequadamente
engajado e aparelhado. Esse engajamento não pode ser retórico. É preciso
traduzir em alocação de força de trabalho porque a quantidade de dados a ser
analisados é imensa.
Estão previstos protestos populares contra a
recondução do ministro Cedraz à presidência. Desde o julgamento das pedaladas,
os olhos da opinião pública ficaram mais atentos ao TCU? Sem
dúvida. Pela primeira vez na história, no julgamento das contas do governo de
2014, tivemos uma sessão pública do tribunal transmitida ao vivo em um canal de
televisão. Centenas de pessoas estavam na frente do TCU esperando resultado.
Isso é inédito. Daqui para frente, o nível de consciência que a população
adquiriu em relação ao papel do TCU vai resultar em uma maior cobrança da
sociedade. Mais do que nunca, a sociedade vai esperar que o tribunal mantenha
um alto padrão de rigor nos exames das despesas públicas. Sempre que surgir um
grande escândalo, a população vai perguntar: onde está o TCU? O que ele estava
fazendo para combater esse escândalo? Por isso, não podemos deixar que essa
eleição coloque a credibilidade do tribunal em jogo.
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