sexta-feira, 10 de junho de 2016

Tia Eron: A mulher que não estava lá

Tia Eron: A mulher que não estava lá

Pressionada, a deputada que podia definir o destino de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara estava ali, mas... desapareceu

FLÁVIA TAVARES
10/06/2016 - 19h03 - Atualizado 10/06/2016 19h12
A deputada sumiu. Evaporou-se. Por mais de quatro horas, na terça-feira passada, dia 7, ela se amoitou na sala 18 do Anexo IV da Câmara dos Deputados. Do lado de fora, assessores negavam que ela estivesse ali. Mas davam um jeito de contrabandear umas frutinhas para a deputada não morrer de inanição em seu cativeiro. “A impressão que dá é que ela foi abduzida. Todo mundo quer saber: onde é que está a deputada Tia Eron?”, afirmava, com um cinismo de canto de boca, o deputado Nelson Marchezan Jr. no auditório doConselho de Ética da Câmara. A pergunta “Cadê Tia Eron?” disparou até a vice-liderança dos assuntos mais comentados no Twitter. Tia quem? A deputada federal Tia Eron, do PRB da Bahia, é um daqueles casos em que a pessoa se torna mais relevante pela ausência. Dependendo de como desempenha seu papel, pode ser como uma coadjuvante que leva o Oscar por dois minutos em cena, numa ponta. Tia Eron só tem importância circunstancial porque pode selar o destino do verdadeiro protagonista da trama: o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB. Seu voto é o que vai decidir se o Conselho de Ética acata o parecer do relator, Marcos Rogério, do DEM, que pede a cassação de Cunha por quebra de decoro – naquele processo que começou no longínquo 13 de outubro de 2015 e o acusa de mentir sobre contas no exterior. Lembra?
 
Deputada Tia Eron (Foto: Ailton de Freitas/ Agência O Globo)
A mera existência de Tia Eron como membro do Conselho de Ética é obra de Cunha. Em abril, ela foi escolhida pelo PRB, partido apaniguado de Cunha, para substituir Fausto Pinato, que mudou de legenda e devolveu a vaga no Conselho. Tia Eron é afilhada deMarcos Pereira, presidente do PRB e ministro da Indústria, Comércio e Serviços do governo provisório de Michel Temer. Pereira encontrara-se na véspera com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e saíra de lá com a missão de convencer Tia Eron a salvar Cunha. Não que ela precisasse de tanta recomendação. Tia Eron também é chegada de Cunha. Não só pela afinidade evangélica. Ela já passeou de jatinho com o acusado que agora deve julgar, fez selfies, elogiou sua gestão à frente da Casa... Agora, cabe a ela o voto que pode empatar a recomendação pela cassação do peemedebista. Se ela votar pela cassação, o placar fica 10 a 10 – sim, dez parlamentares ainda defendem Cunha abertamente – e o voto de minerva fica com o presidente do Conselho, deputado José Carlos Araújo, declaradamente pró-cassação. Se ela votar contra a cassação, o placar fica em 11 a 9. Dois resultados podem vir daí: Cunha pode ser suspenso por 90 dias, como sugeriu em voto separado o deputado João Bacelar, ou Cunha se livra do processo no Conselho de Ética. Cadê Tia Eron?

Tia Eron é a alcunha de Eronildes Vasconcelos Carvalho, de 44 anos. O “tia” vem de seus dias de professora da Escola Bíblica da Igreja Universal do Reino de Deus, que ela começou a frequentar ainda criança com a mãe, num bairro pobre e violento de Salvador. Ela construiu sua reputação nesse reduto. Elegeu-se a primeira vereadora negra de Salvador pelo antigo PFL em 2000. Reelegeu-se três vezes. Em 2014, com mais de 116 mil votos, conseguiu a vaga de deputada federal pelo PRB. Sua atuação parlamentar se concentra em apresentar projetos em favor de mulheres e negros, condizentes com sua história. Há também projetos ligados à agenda evangélica, como um que revoga o decreto que dá a travestis e transexuais o direito de usar seu nome social em órgãos da administração pública federal. Já que Tia Eron é tão contra o uso do nome social, deve-se mudar a pergunta: Cadê Eronildes?
 
O presidente da Câmara Eduardo Cunha e Cláudia Cruz (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
Depois de mentir sobre seu paradeiro, Eronildes saiu do gabinete da liderança do PRB com cara de brava, como se estivesse sendo perseguida. Pediu paz aos jornalistas para decidir seu voto. Sua ausência na sessão de terça-feira teria a seguinte consequência prática: quem votaria em seu lugar seria o suplente Carlos Marun, do PMDB, do fã-clube de Cunha. Prevendo a derrota, o presidente do Conselho suspendeu a votação. Cunha deu um gole em seu próprio veneno: assistiu, impotente, às manobras de colegas para alterar um resultado inevitável. Pobre. A sessão da quarta-feira também foi cancelada – Araújo ainda esfarrapou uma desculpa de que agia para não atrapalhar o andamento de outras votações importantes na Casa. A decisão ficou para esta semana. Até lá, Eronildes tem de lidar com o dilema político de sua vida. Agrada ao presidente de seu partido, Marcos Pereira, que prometeu ao Planalto salvar Cunha? Ou cede à pressão de correligionários como Celso Russomanno e Marcelo Crivella, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, e de milhares de internautas que invadem suas páginas sociais pedindo a cabeça de Cunha? Run, Eronildes, run.

Eronildes nem sequer é a maior das preocupações de Cunha. Na manhã do chá de sumiço, veio a público que a Procuradoria-Geral da República pedira a prisão de Cunha ao Supremo Tribunal Federal. O presidente afastado da Câmara passou dois dias em estado de tensão, à espera da Polícia Federal. A acusação do procurador-geral, Rodrigo Janot, era de que o afastamento de Cunha do cargo e do mandato não bastou para que ele parasse de interferir nas investigações da Lava Jato. A decisão está nas mãos do Supremo, que tem ainda pedidos para prender o presidente do Senado, Renan Calheiros, o senador Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney, todos do PMDB. Cunha encaminhou ao Supremo um pedido para poder se defender antes que o Tribunal decida sobre o pedido de sua prisão.
 
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Tia Eron é contra o uso do nome social por travestis e transexuais. A pergunta, então, é: cadê Eronildes?
Na quinta-feira, o juiz Sergio Moro, responsável pela operação na primeira instância, aceitou a denúncia contra a jornalista Cláudia Cruz, mulher de Cunha. Cláudia agora é ré. Era um dos maiores temores de Cunha desde o início. O Ministério Público Federal acusa Cláudia de se beneficiar de parte do cerca de US$ 1,5 milhão que Cunha recebeu de propina para viabilizar a compra, pela Petrobras, de um bloco de exploração de petróleo no Benin, na África. Ela também é acusada de ser a titular de contas no exterior. “Investigações apontaram que Cláudia tinha plena consciência dos crimes que praticava e é a única controladora da conta em nome da offshore Köpek, na Suíça, por meio da qual pagou despesas de cartão de crédito no exterior em montante superior a US$ 1 milhão num prazo de sete anos (2008 a 2014), valor totalmente incompatível com os salários e o patrimônio lícito de seu marido”, diz o MP.

Com esse cartão, Cláudia e Cunha sustentaram uma vida de ostentação. “Há evidências de que Eduardo Cunha e Cláudia Cruz se beneficiaram de recursos públicos que foram convertidos em bolsas de luxo, sapatos de grife e outros bens de uso privado”, dizem os procuradores. Cunha divulgou uma nota em que defende a mulher, afirmando que ela “possuía conta no exterior dentro das normas da legislação brasileira”. Cunha está encurralado pela Lava Jato. Na arena onde ainda exerce imenso poder, a Câmara, conta com Eronildes, Marun e outros para arrancar uma sobrevida. Eronildes pode escolher entre permanecer coadjuvante ou ganhar o Oscar com apenas dois minutos de participação na trama.

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