segunda-feira, 13 de junho de 2016

É possível que ‘poderosos’ encerrem a Lava Jato, alerta procurador

É possível que ‘poderosos’ encerrem a Lava Jato, alerta procurador

POR RICARDO BRANDT, FAUSTO MACEDO E JULIA AFFONSO
13/06/2016, 04h00
   
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, em Curitiba, afirma em entrevista ao Estadão que não se pode 'menosprezar o poder das lideranças investigadas' e ataca 'acordão' citado por políticos do PMDB, nos áudios gravados por delator; 'planos seriam meras especulações se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional'
O procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato
O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, faz um alerta: “É sim possível e até provável” que as investigações do maior escândalo de corrupção do País acabem. “Quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República.”
Em entrevista ao Estadão, Deltan afirma que as conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, com o presidente do Senado, Renan Calheiros, o ex-presidente José Sarney e o senador e ex-ministro do Planejamento do governo interino Romero Jucá,
evidenciam uma trama para “acabar com a Lava Jato”. “Esses planos seriam meras especulações se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional.”
Para o o procurador, nos diálogos, trata-se abertamente de um “pacto nacional” para impedir o avanço das investigações e da tentativa de um “acordão” entre partidos. Com membros da cúpula do PMDB atualmente na mira – o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão de Renan, Sarney, Jucá e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha -, Deltan lembra que, anteriormente, a força-tarefa foi acusada de perseguir o PT. “Não vemos pessoas ou partidos como inimigos, nosso inimigo é a corrupção.”
Ao Estadão, o coordenador da Lava Jato lembra que não se deve esquecer outras operações contra a corrupção, como a Castelo de Areia e a Faktor. que foram encerradas “sob alegações frágeis de ocorrência de nulidade” no Supremo Tribunal Federal (STF) e que, na Itália, a edição de leis que beneficiaram corruptos provocou um revés na Operação Mãos Limpas. “A Lava Jato só sobreviveu até hoje porque a sociedade é seu escudo.” Leia a íntegra da entrevista:
Estadão – Os áudios do delator Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, tornados públicos pela imprensa nas últimas semanas com figuras importantes da política mais uma vez revelam movimentos para tentar interferir nos andamentos da Operação Lava Jato. As investigações correm algum risco?
Deltan Dallagnol – As investigações aproximaram-se de pessoas com poder econômico ou
político acostumadas com a impunidade que sempre reinou no Brasil. É natural que elas reajam. Há evidências de diferentes tipos de contra-ataques do sistema corrupto que foram tramados nas sombras: destruição de provas, criação de dossiês, agressão moral por meio de notas na imprensa ou de trechos de relatório de CPI, repetição insistente de um discurso que aponta supostos abusos jamais comprovados, tentativas de interferência no Judiciário e, mais recentemente, o oferecimento de propostas legislativas para barrar a investigação, como a MP (medida provisória) da leniência. Tramas para abafar a Lava Jato apareceram inclusive nos áudios que vieram a público recentemente.
A Lava Jato só sobreviveu até hoje porque a sociedade é seu escudo. Estamos determinados a cumprir o papel que a Constituição nos deu de combater a corrupção, para garantir que o dinheiro público seja usado em favor da sociedade e não para enriquecimento privado, mas para isso precisamos continuar contando com o apoio da população.
Estadão – É possível que um governo, ou mesmo que o Congresso, consiga dar fim à
Lava Jato?
Deltan – É sim possível e até provável, pois quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República. À medida que as investigações avançam em direção a políticos importantes de diversos partidos, a tendência é que aqueles que têm ‘culpa no cartório’ se unam para se proteger. É o que se percebe nos recentes áudios que vieram a público. Neles, os interlocutores dizem que alertaram diversos outros políticos quanto ao perigo do avanço da Lava Jato. É feita também a aposta num ‘pacto nacional’ que, conforme também se extrai dos áudios, tinha como objetivo principal acabar com a Lava Jato. Não podemos perder de vista que outras operações que antecederam a Lava Jato foram abruptamente encerradas sob alegações
frágeis de ocorrência de nulidade, por exemplo.
Além disso, há o risco grande de retrocesso legislativo, como aconteceu na Itália, na operação Mãos Limpas. Lá, os corruptos reagiram à investigação fazendo acusações incessantes de supostos abusos e aprovando projetos de lei que minaram a operação. Foi aprovada, por exemplo, a chamada “lei salva ladrões”, que proibia a prisão preventiva em casos de corrupção.
Aqui também estão tentando de tudo. Não podemos compactuar com a generalização de que políticos são ladrões porque ela pune os honestos pelos erros dos corruptos e desestimula pessoas de bem a entrarem na política, quando o que queremos é o contrário. Contamos com a proteção de políticos comprometidos com o interesse público, mas não podemos menosprezar o poder das lideranças que estão sendo investigadas. A sociedade precisa ficar vigilante para que a Lava Jato não seja enterrada.
Estadão – Curitiba foi comparada com a “Torre de Londres” nos diálogos tornados públicos. É justa a comparação?
Deltan – A comparação com a Torre de Londres é absolutamente infundada e não passa de uma estratégia maldosa contra as colaborações premiadas da Lava Jato. A Torre de Londres foi usada, no passado, para a prática de tortura. Na tortura, suprime-se o livre arbítrio da vítima e se extrai a verdade por meio de um tratamento negativo, cruel. Na colaboração, respeita-se o livre arbítrio da vítima que, quando decide colaborar, recebe um tratamento positivo, um prêmio. Aliás, mais de 70% dos colaboradores da Lava Jato jamais foram presos. Nos casos minoritários em que prisões antecederam as colaborações, as prisões eram estritamente necessárias e não tiveram por objetivo a colaboração, mas sim proteger a sociedade que corria risco com a manutenção daquelas pessoas em liberdade. A prisão preventiva é uma medida drástica e excepcional e assim tem sido tratada pelo Ministério Público. Embora os crimes descobertos também sejam drásticos e excepcionais, gerando
desvios bilionários de modo incessante e disseminado por mais de dez anos, inclusive depois da operação estar bem avançada, tínhamos recentemente apenas 10% dos réus presos, isto é, aproximadamente 20 de mais de 200 acusados. A prisão é um remédio amargo para uma doença
arraigada que debilita o País, mas é aplicado na Lava Jato apenas quando estritamente necessário.
Estadão – O que o conteúdo dos áudios demonstra, na sua opinião?
Deltan – Os áudios revelam um ajuste entre pessoas que ocupam posições-chaves no cenário político nacional e, por isso, com condições reais de interferir na Lava Jato, com o claro e explícito intuito de parar as investigações. Os interlocutores, além de demonstrarem grande preocupação com o avanço da operação, discutem abertamente quais seriam as saídas para paralisar a Lava Jato. Uma dessas saídas seria firmar um ‘acordão’ entre os principais partidos que pretensamente incluísse o Supremo para encerrar a operação, possivelmente a partir da construção de um reconhecimento de nulidade, e assim evitar que a Lava Jato alcançasse aqueles líderes contra quem vêm surgindo provas de corrupção. Outros caminhos que discutiram concretamente foram alterar a legislação e buscar reverter o entendimento recente do Supremo que permite prender o réu após a decisão de segunda instância. Eles chegam ainda a cogitar romper a ordem jurídica com uma nova Constituinte, para a qual certamente apresentariam um bom pretexto, mas cujo objetivo principal e confesso seria diminuir os poderes do Ministério Público e do Poder Judiciário. Esses planos seriam meras especulações se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional, com amplos poderes para mandar na pauta do Senado, por um ex-presidente com influência política que dispensa maiores comentários, por um futuro ministro (do Planejamento) e na presença de outro futuro ministro, o da Transparência. Faço essa leitura dos diálogos porque as conversas também dizem respeito, diretamente, à nossa atuação no caso, em primeira instância.
Estadão – Como o senhor vê as críticas feitas ao procurador-geral da República no contexto do vazamento das gravações e pedidos de prisão?
Deltan – No início das investigações, havia vozes que alegavam que o Ministério Público estava perseguindo um determinado partido, num tempo em que havia até um número maior de políticos de outros partidos implicados.
Quando a defesa jurídica não é viável, porque os fatos e provas são muito fortes, é comum que os investigados se valham de uma defesa política, alegando que estão sendo alvo de perseguição. Agora, a atuação igualmente firme contra pessoas vinculadas a novos partidos, igualmente relevantes no cenário nacional, reforça mais uma vez que a atuação do Ministério Público é técnica, imparcial e apartidária, doa a quem doer. Não vemos pessoas ou partidos como inimigos, nosso
inimigo é a corrupção, onde quer que esteja, e, nessa guerra, existe apenas um lado certo, o da honestidade e da justiça. É muito difícil acreditar que os vazamentos partiram do Ministério Público, isso não faz sentido. Esses vazamentos não nos beneficiam, muito pelo contrário, eles atrapalham as investigações. Aliás, esta é uma pergunta que todos deveriam fazer: a quem os vazamentos da Lava Jato realmente beneficiam?
Estadão – O sr. vê na classe política, governo e parlamento, uma resposta efetiva que traga mudanças no combate ao crime de colarinho branco?
Deltan – A Lava Jato fez o diagnóstico de uma situação sombria, em que a corrupção tomou conta da cúpula do governo brasileiro e se disseminou em importantes órgãos, ministérios e entidades. O diagnóstico mostra que, se queremos um país mais justo, com menos corrupção e menos impunidade, precisamos de reforma política e de reforma no sistema de Justiça. Quanto à última, a sociedade propôs ao Congresso um projeto de lei de iniciativa popular já muito conhecido, as 10 Medidas contra a Corrupção. Para avançar, essas medidas aguardam a assinatura do deputado Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara. Embora exista uma certa demora para a aposição de uma simples assinatura, vejo uma movimentação muito sadia no Congresso para a aprovação dessas propostas, como a criação de uma frente parlamentar para a aprovação das 10 Medidas que conta com 218 deputados. Isso mostra que há muitos parlamentares comprometidos com o avanço do combate à corrupção. Eu acredito que os congressistas atenderão a legítima expectativa de mais
de 2 milhões de brasileiros que assinaram o projeto de que este seja apreciado no Congresso Nacional. Já passaram mais de dois anos do início da Lava Jato e continuamos aguardando, com ardente esperança, mudanças concretas que possam trazer efeitos positivos perenes contra a corrupção e a impunidade.

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