Um novo rosto na polícia
Quem é a delegada
carioca Cristiana Bento, que ganhou a admiração das mulheres ao enfrentar a
cultura do estupro
MUDANÇA
“Estamos tratando a adolescente exclusivamente como vítima. Sua imagem foi
exposta de maneira vexatória”, afirma Cristiana Bento (Crédito: Stefano
Martini)
GISELE VITÓRIA
10.06.16
- 19h30 - Atualizado em 10.06.16 - 19h57
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“E então, mãe…? Foi estupro ou não
foi estupro?” Ao chegar em casa, na segunda-feira 6, a delegada Cristiana Bento
achou graça no interesse repentino da filha de 14 anos, e no discreto sinal de
admiração dela por seu trabalho. “Menina, menina, vai estudar…”, retrucou a mãe
durona, sem jamais perder a ternura com a filha tranquila e estudiosa. Era a
pergunta que o Brasil fazia. Titular da Delegacia da Criança e do Adolescente
Vítima há um ano, ela acabava de assumir o caso que chocou o país e levou
multidões de mulheres às ruas. Cristiana ganhou aplausos pelo Brasil afora por
sua linha de conduta no caso e ao se posicionar publicamente em defesa da
adolescente C.B., 16 anos, vítima de um estupro coletivo. “Fiquei surpresa com
a repercussão. Estou cumprindo a lei, fazendo o trabalho que sempre fiz”,
minimiza. É a lei 12.015, de 2009, no artigo 213 do Código Penal.
A delegada pensou na filha quando
conheceu C.B. em seu primeiro depoimento à polícia. Pensou de novo quando
a adolescente vítima do estupro coletivo no Morro do Barão, no Rio, passou a
ser desacreditada. A relação da jovem com traficantes de drogas e seu estilo de
vida em bailes funks, com consumo de drogas, álcool e sexo, a transformaram
praticamente em culpada dias após a denúncia. “Essa menina só tem 16 anos, sua
personalidade ainda não está formada. Ela não tinha noção de que era violentada
desde os 12 anos, quando engravidou de um traficante. Um celular
importava mais que sua vida. Antes de julgar, devemos pensar: podia ser sua
filha. Está faltando amor ao próximo”, diz. Cristiana mudou o curso da história
ao enfrentar a cultura do estupro, que culpa a vítima. “Essa investigação está
devolvendo dignidade a essa jovem. Ela foi estuprada duas vezes: pelos
estupradores e por ter sido negligenciada pelo Estado,” declarou. “Estamos
tratando-a exclusivamente como vítima. A sua imagem foi exposta de forma
vexatória.”
OPERAÇÃO Cristiana no
Morro do Barão, na quinta-feira 9, após achar a primeira casa onde C.B. dormiu
A convicção da policial de 42 anos de
que C.B foi, sim, estuprada, era o que sociedade queria ouvir. Provavelmente
não foram 33 homens, o que não torna a violência menos hedionda. Até o momento,
são seis envolvidos, dois suspeitos press (Raí de Souza e Raphael Duarte Belo),
e prisões preventivas decretadas para cinco foragidos. O crime ficou
configurado e sua extensão está sendo investigada. Cristiana debruça-se
sobre o inquérito e aponta que o segundo vídeo descoberto comprova o estupro de
vulnerável – C.B. se encaixa na qualificação por não ter podido oferecer
resistência ao ato. Ela estava dopada. O vídeo mostra um homem introduzindo
um batom em sua vagina. No áudio, um homem diz: “Para o que, porra?”.
Cristiana já era conhecida por ter
revelado uma rede de pedofilia no Rio. Prendeu uma professora que abusava de
crianças na creche onde trabalhava e levava-as para um advogado. Desde
que liderava a Delegacia da Mulher em Duque de Caxias (RJ), priorizava as
investigações dos crimes sexuais. “São casos delicados. As vítimas devem
ser tratadas de outra forma”. Nas estatísticas que montou, verificou um volume
cada vez maior. “As mulheres vítimas de violência levavam seus filhos”, conta.
Professora de Processo Penal da Faculdade de Direito Cândido Mendes, no
Rio, tornou-se uma especialista em casos de crimes sexuais. Uma vez, partiu seu
coração ouvir de uma menina de 4 anos, sentada em seu colo na delegacia: “Ele
fez a coisa feia”. A criança falava do padrasto abusador.
Ela não se esquece de outra cena: uma
garota de 16 anos chega à DCAV carregando um urso de pelúcia ao lado da mãe.
Elas foram denunciar estupros do próprio pai da menina. A mãe descobriu porque
desconfiava que o marido estava traindo-a e instalou um gravador no carro. “Uma
coisa é você ouvir falar que o pai abusou da filha. Isso em si já é hediondo.
Mas quando você ouve a gravação na hora do ato, a aflição da menina pedindo que
o pai pare, é horroroso”, relata. Nesse caso, a delegada intimou o pai da adolescente.
Ele achou que se tratava de uma queixa da esposa. “O sr. está preso”, decretou
Cristiana, enquanto o estuprador se desfigurava ao ouvir o áudio. Antes de
mandá-lo para a cela, delegada mandou que sua calça comprida fosse cortada para
evitar que ele se enforcasse na prisão. Tempos depois, mãe e filha voltaram.
Estavam em dificuldades financeiras e viviam o dilema das vítimas de violência
doméstica que frequentemente são agredidas por quem amam. “A menina pediu que o
soltasse. Ela me disse que, apesar de tudo, ele era um bom pai”, conta.
“Infelizmente, ela não tinha parâmetros para saber o que é um bom pai.”
Cristiana faz esse paralelo com o caso de C.B. Inserida no ambiente do tráfico
e nos valores daquela cultura,a jovem não teria consciência da violência
a que era submetida. “Ela foi estuprada aos 12 anos. Teve um filho com um
traficante, que morreu. Foi estuprada em outra ocasião também.”
“Recebi ameaças de
traficantes, mas não me intimido”
Cristiana Bento, delegado
Cristiana Bento, delegado
Perfumada com Chanel no 5 – que
alterna com 212 Sexy, de Carolina Herrera-, Cristiana tem 1.60 e 54 quilos.
Pratica corrida e gostou de assistir “Eternamente Alice” no cinema.
Costuma usar uma correntinha com um crucifixo. “É uma proteção”, diz. “Mas antes
usava um colar com um pingente de algemas.” O crucifixo foi presente do marido,
oficial do Exército, que ela conheceu na época em que estudava Direito na
Universidade Gama Filho, por onde se formou em 1998. Cristiana é evangélica.
Tem orações como hábito. A fé é de família. “Já recebi ameaças de traficantes
ligados a esse caso. Mas não me intimido. Jesus está comigo. E nós tomamos
nossos cuidados.” Ela começou como oficial de justiça. “Nunca quis ser
delegada. Eu queria ser juiza”, conta. “Mas fiz concurso e me encontrei nessa
área”, diz. Ela lembra de um texto sobre um menino que lançava conchas no mar
para salvá-las.. “Não podemos salvar todas, mas se puder salvar uma menina
desses crimes, ela será salva.”
“As pessoas desconhecem o que é
estupro pela nova lei”
Cristiana Bento não para.
“Nunca dá para ter certeza onde ela está. A dra. fica entre a delegacia, a
Cidade da polícia, participando de audiências, e em diligencias”, explica a
recepcionista da DCAV, que fica em um prédio histórico no centro do Rio de
janeiro. Na delegacia, Cristiana falou a ISTOÉ:
ISTOÉ – A população é devidamente
esclarecida sobre o que é estupro hoje?
Cristiana Bento – Não, as pessoas não tem esse esclarecimento. É importante que a mídia esclareça. As pessoas desconhecem o que é estupro hoje. Antes da lei de 2009, estupro era a violência que envolvia a penetração do penis na vagina. A violência com sexo anal, por exemplo, não se enquadrava como estupro. Era ato libidinoso. Com a nova lei, um beijo à força pode ser considerado estupro. Mas é claro que há as proporções dos crimes. E cabe aos juízes avaliar. (O artigo 231 define: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” Se a vítima é menor de 18 ou maior de 14, a pena de reclusão é de 8 a 12 anos.)
Cristiana Bento – Não, as pessoas não tem esse esclarecimento. É importante que a mídia esclareça. As pessoas desconhecem o que é estupro hoje. Antes da lei de 2009, estupro era a violência que envolvia a penetração do penis na vagina. A violência com sexo anal, por exemplo, não se enquadrava como estupro. Era ato libidinoso. Com a nova lei, um beijo à força pode ser considerado estupro. Mas é claro que há as proporções dos crimes. E cabe aos juízes avaliar. (O artigo 231 define: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” Se a vítima é menor de 18 ou maior de 14, a pena de reclusão é de 8 a 12 anos.)
ISTOÉ – Quando encerra o inquérito?
Cristiana – Logo. Precisamos ouvir C.B. novamente e é importante reconstituir detalhes do crime. Só vou descansar quando relatar o inquérito. Se há um crime e você demora com o inquérito policial, não há Justiça. Justiça tardia não é justiça. A população espera uma resposta mais rápida do Estado.
Cristiana – Logo. Precisamos ouvir C.B. novamente e é importante reconstituir detalhes do crime. Só vou descansar quando relatar o inquérito. Se há um crime e você demora com o inquérito policial, não há Justiça. Justiça tardia não é justiça. A população espera uma resposta mais rápida do Estado.
ISTOÉ – A sra. é a favor do aborto em
casos de estupro?
Cristiana – Sei que é muito dificil, mas sou contra o aborto em qualquer hipótese. É uma vida autônoma. Ninguem tem o direito de interromper a vida do outro. Defendo que se deve aguardar o parto e entregar o bebê para a adoção. Nunca matar.
Cristiana – Sei que é muito dificil, mas sou contra o aborto em qualquer hipótese. É uma vida autônoma. Ninguem tem o direito de interromper a vida do outro. Defendo que se deve aguardar o parto e entregar o bebê para a adoção. Nunca matar.
Colaborou Helena
Borges
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