Por que Janot pede a prisão de alguns políticos e de outros não?
Ao pedir a prisão
por obstrução de Justiça de Renan, Jucá, Sarney e Eduardo Cunha e poupar Dilma,
Mercadante, Lula e Cardozo, que cometeram o mesmo crime, o procurador-geral da
República Rodrigo Janot demonstra parcialidade, provoca reações no Congresso, no
STF e coloca em risco a própria Lava Jato
NO
ALVO Cunha, Sarney, Jucá e Renan (da esq.à dir.) podem ser presos por obstruir
a Justiça
SÉRGIO PARDELLAS
10.06.16
- 19h30 - Atualizado em 10.06.16 - 20h20
PROTEGIDOS Dilma, Cardozo, Lula e Mercadante (da esq. à dir.)
não foram sequer denunciados por Janot
Uma escultura em granito adorna a
entrada por onde atravessam todos os dias os ministros do Supremo Tribunal
Federal. A estátua caracteriza Têmis, uma das deusas da Justiça na mitologia
grega. Como símbolo da imparcialidade, exibe os olhos vendados para significar
decisões tomadas às cegas, ou seja, sem fazer qualquer distinção entre as
partes nem privilegiar um lado em detrimento do outro a partir de ideologias,
paixões ou interesses pessoais. Na última semana, não fosse matéria inanimada,
a venda teria escorregado como manteiga do rosto de Têmis. O responsável por
submeter a retina da Justiça a situações constrangedoras, das quais ela deveria
estar sempre e a qualquer tempo blindada, é o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot. Ao pedir a prisão por obstrução de Justiça de Renan Calheiros,
Romero Jucá, José Sarney e Eduardo Cunha, todos do PMDB, e poupar pelo mesmo
crime Dilma Rousseff, Lula, José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante, do PT,
Janot, chefe do Ministério Público, um órgão auxiliar da Justiça, mandou às
favas o princípio da isonomia o qual deveria perseguir cegamente. Na régua
elástica do procurador-geral, os rigores da lei válidos para os peemedebistas
contrastam com a condescendência dispensada no tratamento a políticos do PT.
(Crédito: Lula
Marques/Folhapress, PODER)
Senão vejamos. Resta evidente, após
dois anos de Lava Jato, que um partido, o PT, – único detentor de caneta, verba
e tinta para sacrificar a maior estatal do País em troca de propinas e dinheiro
ilegal para campanhas – , comandou o Petrolão. Os tesoureiros e principais
dirigentes petistas são os engenheiros e os motores da complexa engrenagem da
corrupção na Petrobras. Também estrelados integrantes do petismo, entre os
quais a própria mandatária afastada do País, Lula e dois ex-ministros de
Estado, Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, foram flagrados em áudios
incontestáveis em inequívocas maquinações contra a Justiça e as investigações
da Lava Jato. A despeito da ululante constatação, não são do PT e sim do PMDB
os políticos mais encrencados até agora por Janot.
O despacho do procurador-geral pela
prisão do trio do PMDB e de Cunha, pronto havia 15 dias, veio à baila na última
semana trazendo em seu bojo o mesmo objeto capaz de implicar os petistas: a
tentativa de criar embaraços à Lava Jato. Renan, Jucá e o senador aposentado,
José Sarney, em gravações feitas por Sérgio Machado, discutem maneiras de
enfileirar pedras no meio do caminho das investigações. Constituem-se ali meras
intenções. Graves, decerto. Os três são habituês em escândalos e, comprovado o
cometimento de crimes, são merecedores da punição adequada. Até de prisão, se
assim prever a lei. Mas em nenhum momento das gravações há a menção a qualquer
iniciativa que tenha obstruído de fato as investigações. O que se conhece, até
o momento, ao menos no quesito obstrução de Justiça, não justifica mandá-los
para trás das grades. É inquestionável: os tratamentos, até agora, foram
desiguais. Enquanto que de um lado há elucubrações sobre como criar empecilhos
ao trabalho da força-tarefa de procuradores e policiais federais, do outro há
ações concretas para liquidar a Lava Jato. “A grande maioria da população não
entende porque o caso das gravações de Sérgio Machado teve andamento tão
rápido, enquanto áudios de Lula e Dilma, que comprovadamente mostram ação de
obstrução de Justiça, permanecem na gaveta. Janot tem de explicar”, cobrou o
ex-deputado Roberto Jefferson.
Obstruir a atuação da Justiça é crime
tipificado no inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079, que define os crimes de
responsabilidade passíveis de perda de mandato. Dilma foi apanhada em
interceptação telefônica, autorizada pelo juiz Sérgio Moro, numa conversa com o
ex-presidente Lula para combinar os detalhes de sua nomeação para a Casa Civil.
No diálogo, Dilma disse a Lula que enviaria a ele por intermédio de um
emissário um “termo de posse” para ser utilizado “em caso de necessidade”. A
presidente começava a atuar ali para impedir que o destino de Lula ficasse nas
mãos do juiz Sérgio Moro. A intenção de impedir a livre atuação do Judiciário
já estava caracterizada. Na sequência, o que se encontrava no plano das ideias
foi consumado. O documento não apenas foi entregue por ela a Jorge Messias,
como numa iniciativa nunca antes adotada na história republicana, a Presidência
fez circular uma edição extra do Diário Oficial para dar publicidade legal ao
ato de nomeação no mesmo dia em que foi assinado pela presidente. Para Miguel
Reale Jr., um dos juristas signatários do pedido de impeachment de Dilma, o
episódio representou uma afronta aos princípios republicanos: “É um ato de
imoralidade administrativa e política”, afirmou. Antes, a presidente afastada
já havia tramado, com a contribuição do então ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, nomear Marcelo Navarro como ministro do STJ em troca da soltura do
empreiteiro Marcelo Odebrecht.
DOIS PESOS DUAS MEDIDAS Rigor de Janot só vale
para um lado (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
A nomeação também se concretizou e,
conforme o combinado, Navarro, ao relatar o habeas corpus do empresário, votou
por sua liberdade. Como se sabe, Odebrecht só não foi solto naquela ocasião
porque Navarro foi voto vencido no tribunal. Lula, por sua vez, no mesmo lote
de gravações, foi apanhado numa série de investidas para barrar as
investigações da Lava Jato. Antes, Lula já havia acertado com Delcídio do Amaral,
ex-líder do governo Dilma, o pagamento a Nestor Cerveró, por intermédio do
filho do pecuarista José Carlos Bumlai, num esforço descomunal para evitar a
qualquer custo a delação do ex-diretor da Petrobras. Hoje se sabe o porquê. Já
Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação, foi gravado numa ação semelhante:
a tentativa de compra do silêncio de Delcídio, cuja delação, se saberia a
posteriori, enredaria Lula e Dilma. Até agora, contra Dilma há um pedido de
investigação, subscrito por Janot e ainda não julgado pelo STF. Lula, por sua
vez, experimenta uma espécie de limbo jurídico. Na sexta-feira 10, será
completado um mês que os procuradores da Lava Jato pediram ao STF a devolução
dos inquéritos envolvendo o ex-presidente petista e nada foi feito. Na lista, aparecem
os episódios do sítio em Atibaia, do tríplex no Guarujá e dos valores recebidos
de empreiteiras por palestras.
EM MARCHA O presidente Michel Temer tenta se manter equidistante
da crise política, enquanto caciques do PMDB estão na linha de tiro
(Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)
O desequilíbrio da balança do
procurador-geral provocou a reação imediata das classes política e jurídica.
Causou espécie a maneira como o véu que há pelo menos três semanas encobria os
pedidos de prisões do quarteto do PMDB foi retirado. Embora o relator da Lava
Jato, Teori Zavascki, já estivesse de posse da solicitação havia mais de 15
dias, os demais ministros da Supremo Corte só tomaram conhecimento do caso pela
imprensa. O vazamento, atribuído a Janot, despertou a ira dos ministros. Na
sexta-feira 10, o procurador negou estar por trás da difusão dos áudios. “Não
tenho transgressores preferidos”, acrescentou. O leite já estava derramado.
Para os ministros tratou-se de uma estratégia destinada a pressioná-los. “É
grave. Não se pode cometer esse tipo de coisa. É uma brincadeira com o
Supremo”, sapecou o ministro Gilmar Mendes. Outro magistrado acusou Janot de
fazer “política em favor do PT”. Fundamenta essa tese o timing escolhido pelo
procurador para o pedido de prisões. Argumentou o mesmo ministro que Renan e
Jucá sobreviviam incólumes, enquanto eram úteis ao PT. Só viraram alvos depois
de bandearem-se para a órbita do presidente Michel Temer. O raciocínio faz todo
sentido. Renan responde a 11 inquéritos no Supremo, dos quais nove associados à
Lava Jato. Nenhum destes recebeu denúncia de Janot, embora os casos em questão
sejam ainda mais graves.
O contra-ataque do Senado foi tecido
com os fios da vingança. Primeiro, a Casa inflada de corporativismo pôs em
marcha um acordão. Se a corte determinar a prisão dos senadores, a Senado
promete inviabilizar a decisão em plenário. “Até aqui o que se tem contra os
senadores é uma mera especulação de conversas reservadas”, antecipou-se o líder
do governo, Aloysio Nunes (PSDB-SP). O passo seguinte dos senadores será barrar
qualquer tentativa de Janot de emplacar o seu sucessor. Sabe-se no MPF do seu
esforço em fazer de Nicolao Dino, irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino,
o próximo procurador-geral da República. “Não iremos esquecer”, afirmou um
aliado de Jucá.
Que ninguém se engane: os
intencionados em inviabilizar a Lava Jato tentarão fazer valer o seu propósito
ao menor sinal de equívoco processual. Foi sintomática a solidariedade do
ex-presidente Lula a Renan prestada na semana passada. A quem interessa o afã
de querer mandar apenas um grupo de políticos para a cadeia com base em
controversa sustentação legal? A resposta é insofismável: só serve a quem está
apostando suas fichas no ambiente do “quanto pior, melhor” para ensejar novas
eleições ou para aqueles que acalentam o irrefreável desejo de melar a Lava
Jato. A pretexto de mandar para a cadeia um lote específico de políticos
implicados no crime de obstrução da Justiça, o diversionismo de Janot arrisca
produzir exatamente o inverso: a proteção de todos. E não é o que se cumpriu
semana passada? Apesar da atuação de xerife, a dura realidade se impôs: todos
permanecem soltos. Peemedebistas e petistas.
A busca pela imparcialidade dos
magistrados remonta ao início dos tempos. Ao retirar do cidadão o direito à
autotutela, o Estado deu-lhe como compensação a figura do juiz: a pessoa a quem
caberia a resolução de impasses sem beneficiar nenhuma das partes. O jurista
alemão Werner Goldschimidt diz que a imparcialidade consiste na tentativa de
colocar entre parênteses todas as considerações subjetivas do julgador, de modo
que este deve ser objetivo e esquecer-se da própria personalidade. Não é o que
parece orientar o procurador-geral da República. Para o espanhol Faustino
Córdon Moreno, professor catedrático da Universidade de Navarra, o julgador
imparcial deve ser terceiro às partes, assentado na neutralidade e no
desinteresse. Janot também não parece agir como um ator desinteressado. Pelo
contrário. Para o Palácio do Planalto, em seu radar estão os votos necessários
para enterrar o impeachment de Dilma.
Uma adaptação a uma expressão
sheakespeariana se encaixa com perfeição à realidade atual. Há mais coisas
entre Curitiba e Brasília do que supõe nossa vã filosofia. Existe algo de podre
no reino, para tomar emprestado outro termo da tragédia de Hamlet. Que os
rigores da lei valham para todos e a venda permaneça sobre os olhos da deusa
grega. Só assim, a Lava Jato estará resguardada e marcará o capítulo mais
importante da história do combate à impunidade no País.
TRIO AFINADO Aliado de primeira hora de Lula e Dilma, para quem
fez campanha, Pimentel tentou obstruir a Justiça
Pimentel manobrou e ainda está
sem punição
Fernando Pimentel se mantém no
governo de Minas enquanto STJ não decide se aceita acusação contra ele
A cada dia se complica a
situação do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Ele é suspeito
de receber suborno e de se beneficiar de recursos ilícitos na última eleição. A
Operação Zelotes moveu uma denúncia contra o petista por ajudar ilegalmente
montadoras quando era ministro do Desenvolvimento, na gestão Dilma. O STJ até
agora não decidiu se aceita a acusação, o que apearia automaticamente Pimentel
do cargo. Enquanto isto, o braço-direito do petista resolveu contar tudo o que
sabe em troca de redução de pena. O empresário Benedito Rodrigues, o Bené,
disse que, entre outras operações, Pimentel recebeu milhões de empreiteiras
para fazer lobby junto a governos do exterior. Afirmou também que o governador
direcionou parte do dinheiro ilegal para negócios de um sobrinho. Não é
primeira acusação contra familiares do petista. A primeira-dama Carolina
Oliveira é também alvo dos agentes da Zelotes. Em uma estratégia suspensa pela
Justiça, Pimentel tentou nomeá-la secretária estadual para lhe dar foro privilegiado
e atrapalhar as investigações.
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